RECONHECIMENTO DE UMA VIDA – 100 anos de dom Eugênio Sales

Dom Edson de Castro Homem
Bispo Diocesano de Iguatu

 

Celebramos o centenário do nascimento do Cardeal Dom Eugênio de Araújo Sales, nascido em 08 de novembro de 1920, em Acari, Rio Grande do Norte.  Difícil sintetizar a enormidade de sua obra e de sua influência na Igreja no Brasil. Seu lema episcopal expressa o desejo de uma personalidade forte, de um líder com nobre ambição: “Impendam et Superimpendar” (2Cor 12,15), isto é, “despenderei e me despenderei todo inteiro”. O homem explica suas realizações, mas estas, sobretudo, explicam o homem. O mesmo se diga dos fatos e feitos de Dom Eugênio.

Na cidade de Natal, ele criou o Movimento de Educação de Base para alfabetizar pelo rádio, a Ação Religiosa e Social de promoção do homem urbano e rural, a entrega de Paróquias às freiras, o início da Campanha da Fraternidade, a manutenção da memória dos mártires do Rio Grande do Norte. Em Salvador, ele criou os Centros de Treinamento de Líderes para a renovação pastoral e implantou as mudanças do Vaticano II do qual participou.

Quanto à cidade do Rio de Janeiro, ele criou os Encontros de Homens e Líderes com Poder Decisório, a União dos Juristas Católicos, os Planos de Pastoral de Conjunto, as Pastorais: do Menor, dos Moradores de Rua, do Sistema Penal, do Trabalhador, das Domésticas, da Saúde, do Anônimo. Criou também a Catequese Especial, as Casas de Acolhida para Aidéticos, Prostitutas e Mendigos. Fundou o Ambulatório para Portadores de HIV, o Movimento em Defesa da Vida, o Centro de Estudos e de Formação do Sumaré, a Associação Cultural, o Edifício João Paulo II, a Rádio Catedral. Aprovou a Associação Arquidiocesana Tarde com Maria.

A ação pastoral no Rio aconteceu em meio às crises da Igreja pós-conciliar. Por sua fidelidade ao magistério do Papa, tornou-se ponto de referência a garantir a unidade e a fomentar as mudanças. Durante o período de exceção, ele distanciou-se de confrontos políticos e ideológicos. Honrou as autoridades. Respeitou os militares, mas recusou a alta condecoração do Exército. Promoveu os pobres. Acolheu os exilados. Visitou os encarcerados inclusive presos políticos. Facilitou a soltura dos que cumpriram a pena, ainda reclusos. Ouviu o clamor dos perseguidos, salvando a muitos. Digno de menção é a amizade com Dom Helder Câmara que o chamava, carinhosamente, de “meu patriarca”. Certa vez, foi até Recife para lhe dar apoio. Dissera-lhe: “sempre que precisar me telefone”. Em missa festiva, na catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro, deu-lhe a presidência com o báculo e a cátedra. Gesto de extrema deferência, delicadeza e independência, pois, Dom Helder era considerado pelo regime como persona non grata.

Os moradores da favela do Vidigal, no Rio de Janeiro, recorreram ao Cardeal para não serem removidos. Ele impediu com a ajuda de um advogado. Sofreu represálias do prefeito que o ameaçou de multa se não limpasse a externa do palácio episcopal. O Vidigal, portanto, custou-lhe caro. Em compensação, o papa João Paulo II na sua visita ao Rio, indo à capela do Vidigal ofereceu o anel à comunidade. Quanto à favela da Maré, de palafitas, conseguiu sua urbanização.

O Rio viveu dias inesquecíveis sob sua liderança: os 300 anos da Diocese, a sagração da nova Catedral, a visita de João Paulo II, o Encontro do Papa com as Famílias, as Missões Populares, os eventos no Maracanã. Ao morrer, em 09 de julho de 2012, o povo encheu a Catedral. Entendíamos, na ocasião: “Antes da morte não beatifiques a ninguém, pois em seu fim é que se conhece o homem” (Eclo 11,28). Agora, festejando os 100 anos do nascimento, temos toda a história, ou já conhecida ou ainda a contar.  Memorável. Irretocável.

Imagem: Arquidiocese do Rio de Janeiro