Frei Cantalamessa: primeira pregação da Quaresma para a Cúria Romana


 


O tema das pregações é “Retorne a si mesmo”, frase de Santo Agostino que convida a distanciar-se dos afazeres cotidianos e das distrações do mundo para reencontrar Deus no próprio coração.


 


Cidade do Vaticano


Tem início, nesta sexta-feira (15/03), as pregações de Quaresma do pregador da Casa Pontifícia, frei Raniero Cantalamessa, para a Cúria Romana, na Capela  Redemptoris Mater, no Vaticano.


O tema das pregações é “Retorne a si mesmo”, frase de Santo Agostino que convida a distanciar-se dos afazeres cotidianos e das distrações do mundo para reencontrar Deus no próprio coração.


O convite de Santo Agostinho a voltar à própria interioridade, “In te ipsum redi”, é extraído da obra “A verdadeira religião” e exorta a encontrar tempo e espaço para Deus a fim de ouvi-lo e despojar-se de si.


 


O ápice desse encontro é conhecer Deus em sua revelação suprema, em Jesus crucificado, “amor que se doa até a imolação total”, explica o frei Cantalamessa.


Em suas cinco pregações, que se realizarão todas as sextas-feiras até 12 de abril, o religioso capuchinho irá propor um itinerário para abrir espaço a Deus e colocar de lado o eu.


Frei Cantalamessa: As meditações da Quaresma pretendem prosseguir a reflexão que eu iniciei no Advento passado que tem origem no versículo de um Salmo: “A minha alma tem sede do Deus vivo”. É um colocar-se nos passos de Deus, não somente para descobrir a existência de Deus, mas perceber Deus, viver de forma consciente a sua presença. É como um despertar da consciência e não somente saber de modo abstrato que Deus existe, mas saber que está vivo, que está ao nosso lado. Nesse contexto, o tema das pregações da Quaresma “Retorne a si mesmo”, frase de Santo Agostino, evidencia o lugar ou a condição para entrar em contato com o Deus vivo, pois encontramos o Deus vivo na Eucaristia, na Palavra de Deus, mas também o encontramos em nosso coração. Portanto, como nos diz Agostinho, se não retornarmos a nós mesmos, se não nos afastarmos um pouco da exterioridade e do barulho, não poderemos encontrar o Deus vivo. A frase de Santo Agostino “Retorne a si mesmo” tem uma mensagem muito forte. Eu a coloquei como título, mas está num contexto de um tema mais amplo, o descobrir. A palavra que eu gosto é “perceber”, notar Deus.”


Como retornar a si mesmo?


Frei Cantalamessa: Algumas condições externas são sugeridas pelo Tempo da Quaresma, pois a Quaresma nos lembra Jesus no deserto em oração e jejum. Encontrar um espaço de silêncio, de escuta da Palavra de Deus, participar de uma função religiosa, fazer, se possível, um momento sozinho, por exemplo, voltando para casa do trabalho, entrar numa capela, numa igreja, num momento em que não há missa, e ficar ali um momento, pois é necessário que interrompamos o fluxo que vem de fora através das cinco portas dos sentidos, caso contrário não podemos entrar em contato com o nosso coração. Somos projetados para o externo, somos como uma centrífuga contínua e constante.


Encontrar Deus, mas também ouvir. Qual a melhor modalidade?


Frei Cantalamessa: Ouvir Deus que nos fala através da consciência, como nesses momentos de reflexão, de solidão com Deus. Deus fala ao coração, continua falando com as pessoas. Se dermos a Ele um pouco de tempo e espaço, o Espírito Santo inspira. Falamos das inspirações do Espírito Santo. Elas são uma maneira de Deus fazer-se presente. Depois, há o meio universal que é a Palavra de Deus. Portanto, ao participar da Liturgia, procurar uma palavra que sozinha seja capaz de acender em mim o pensamento de Deus, torná-Lo presente ou dedicar um momento para a leitura da Bíblia por conta própria, ouvir também uma pregação, por que não? Esta pode ser uma ocasião para voltar a si mesmo, porque o trabalho sempre nos leva a lidar com negócios, problemas, mas precisamos de momentos em que nos desligamos, como se diz na linguagem atual, a fim de entrar em contato com um outra dimensão.


O senhor sugerirá também a superação da autoidolatria para se aproximar de Deus…


Frei Cantalamessa: Sim. O Deus vivo é a antítese perfeita das idolatrias, porque os ídolos estão mortos e, em vez disso, o Deus bíblico é um Deus vivo. Só que a idolatria não terminou com o paganismo que dava um nome aos ídolos: Vênus, Marte e assim por diante. Hoje, eles têm outros nomes, mas existem e se chamam: sexo, poder, violência… Mas, o meu interesse é por um ídolo universal que todos carregamos dentro, como um bezerro de ouro que infelizmente faz parte de nós desde o nascimento. É o nosso “eu”, o nosso egoísmo. Assim, nessa pregação dedicada à luta contra a idolatria, será abordada a idolatria dentro de nós, ou seja, colocar no lugar do “eu”, Deus. Existem apenas duas letras de diferença, mas na realidade há uma diferença infinita entre “eu” e Deus.


O senhor concluirá suas pregações fazendo referência à Cruz de Cristo como revelação suprema de Deus…


Frei CantalamessaConcluí as pregações do Advento, falando do Verbo que se fez carne e se torna o revelador do Deus vivo. A última pregação falará da Cruz de Cristo, como o momento supremo em que Deus se revela pelo que Ele é, ou seja, amor, pois na encarnação Deus se faz homem, mas na Cruz, na Paixão de Cristo, descobre-se que o homem se torna Deus, que tipo de homem se torna Deus. É o Deus que na Cruz confunde a sabedoria com a tolice e o poder com a fraqueza, ou seja, o amor. A Cruz tem esse lugar central, uma árvore-mestre plantada na barca da Igreja, porque nela Deus se revela pelo que Ele é: amor que se doa até a imolação total.