A revista Bote Fé, da Edições CNBB, apresenta como destaque na edição deste trimestre a proposta da Igreja para a formação presbiteral. Tema da última Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a formação de novos padres é direcionada por uma série de indicações que partem do princípio de configurar ao próprio Jesus Cristo os homens chamados à vocação presbiteral. Confira a matéria especial que traz testemunhos e análises de especialistas no acompanhamento dos sacerdotes católicos:
Era a primeira missa presidida pelo recém-ordenado padre Luciano Pimenta de Morais. Na felicidade de iniciar a caminhada presbiteral, não imaginava o alvoroço que movimentava as redes sociais. Sua foto já viralizava chamando atenção para a beleza, observada por algumas moças e senhoras constrangidas em relação ao padre considerado galã. Admiração e culpa eram os sentimentos. “Surgiram vários comentários nas redes sociais. Alguns, hilários”, conta o padre. Mas o que há de mais belo em Luciano Pimenta, para além da aparência física, foi forjado em anos: ordenado presbítero para a Igreja, é configurado ao próprio Cristo para presidir uma comunidade. Eis a maior beleza.
E para chegar a este ponto, nem academia, nem maquiagem ou outro procedimento estético. São anos de preparação humana, espiritual, acadêmica e pastoral para que, como presbítero, seja como Cristo, “verdadeiro bom pastor, amadurecido em várias dimensões da vida pessoal e eclesial”, ensina o vigário provincial dos Redentoristas de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, padre Paulo Sérgio Carrara, doutor em Teologia e uma das referências nacionais no campo da Formação Presbiteral.
Mineiro de Campo Belo, padre Luciano Pimenta se declara como filho da Pastoral da Juventude e teve caminhada no Encontro de Adolescentes com Cristo (EAC), no Encontro de Jovens com Cristo (EJC) e no Cursilho de Cristandade Jovem, além de ter participado de grupos de jovens paroquial. “Encantava-me a pessoa de Jesus Cristo jovem e a possibilidade de um jovem evangelizar outro. Era algo que me enchia de esperança. Sonhava com um mundo novo e melhor”, recorda. Foi aos 21 anos que iniciou o processo de discernimento vocacional, na diocese de Oliveira (MG). “A formação acadêmica se deu na PUC-Minas, em Belo Horizonte. Cursei Filosofia e Teologia e, concomitantemente, fiz formação em Psicopedagogia e Psicanálise Clínica”, relata.
Padre Luciano foi ordenado em março pelo bispo de Garanhuns (PE), dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa. Na Igreja particular do agreste pernambucano Luciano concluiu o caminho de formação e pôde “compreender existencialmente o significado da oblação da própria vida”, por meio da inculturação, do estágio pastoral, da vivência do diaconato e, agora, dos primeiros meses como padre. “Tudo isso tem sido de uma riqueza incomensurável”, diz.
Neste início de ministério sacerdotal, Pimenta atua na paróquia Santa Terezinha, no bairro Magano, em Garanhuns. Ele também está a serviço da diocese como membro do Conselho de Formadores e professor do Seminário Propedêutico. Também colabora na parte pedagógica do colégio da diocese. “São muitas as pessoas que me procuram, especialmente jovens. No âmbito psicoespiritual, tenho procurado ser presença do amor gratuito de Deus para todas essas pessoas. E assim sou feliz, tentando ajudá-las a serem felizes. Isso se tornou tema de minhas pesquisas e estudos”, salienta. A pedido do bispo, o padre tem aprofundado essas temáticas no Curso para Formadores, do qual participa no Instituto Santo Tomás de Aquino, em Belo Horizonte.
Igreja orienta a formação
“O ministério presbiteral exige homens humanamente maduros e capazes de compreender criticamente os problemas à sua volta, ajudando as pessoas a encontrarem uma direção para a vida que se fundamente na proposta de Jesus Cristo”, comenta o padre Paulo Carrara.
E é no sentido de adequação aos tempos atuais, os quais são desafiantes em seus aspectos sociais, culturais e religiosos, que a Igreja no Brasil tem se ocupado de refletir sobre a formação de padres. Este foi o tema da 56ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizada no mês de abril, em Aparecida (SP). Na ocasião, o episcopado brasileiro aprovou novas diretrizes para a formação de presbíteros e agora aguarda a confirmação do texto pela Congregação para o Clero do Vaticano.
A partir das indicações eclesiais em âmbito universal, o presbítero é visto em quatro dimensões que interagem simultaneamente no processo formativo e na vida de ministros ordenados: humana, espiritual, intelectual e pastoral. São coordenadas para esta formação o desafio do contexto em que se encontra, no sentido de conhecer bem a realidade para assumi-la e transformá-la à luz do Evangelho; os fundamentos teológicos, com intencionalidade pastoral missionária e assimilação dos sentimentos e atitudes de Cristo; e o processo formativo, que é único, integral, comunitário e missionário.
Neste contexto, são apresentadas características esperadas do presbítero: discípulo, missionário, servidor da vida, cheio de misericórdia, pastor, santo e profeta. Para o doutor em Teologia padre Paulo Sérgio Carrara, os candidatos ao sacerdócio são pessoas humanas, portanto não possuem todas as qualidades: “Mas a formação presbiteral precisa criar os dispositivos teológico-espirituais para que esses elementos sejam adquiridos pelos futuros presbíteros. O mais importante é a abertura à graça de Deus”.
Toda essa configuração do presbítero e a beleza de se assemelhar a Cristo é montada durante o processo de formação. Ele se dá em diferentes espaços: a Pastoral Vocacional é o lugar do primeiro discernimento; o seminário menor e o propedêutico, da primeira formação; já no seminário maior acontece a formação específica; e nas paróquias, comunidades, pastorais e organismos da Igreja se dá a ação pastoral. Veja o infográfico na versão digital.
O seminarista Leonardo Gonçalves, 21, é da Congregação do Espírito Santo e já passou por algumas das fases formativas. Sentindo o interesse em ser padre no início da juventude, procurou os padres da paróquia onde residia, em Ceilândia (DF), para que o acompanhassem. “Foi um período muito proveitoso e decisivo em minha vida, pois tive conversas de acompanhamento vocacional com os padres Carlos Guimarães e João Chiuzo, ambos Espiritanos, que desde já me ajudaram no meu crescimento integral como pessoa e a discernir melhor minha vocação na Congregação do Espírito Santo”, conta.
Leonardo fez parte de um processo de formação diferenciado, no qual o aspirantado acontece ainda na sua comunidade, morando com a família, em vista do amadurecimento e o aprofundamento vocacional do jovem a partir de sua realidade. Em 2015, iniciou o postulantado, agora já em São Paulo, no seminário da congregação. “Após um período de dois anos fiz uma mudança além-fronteiras, para começar a etapa do noviciado que fica em San Lorenzo, no Paraguai. Ali morei um ano e me aprofundei mais nas fontes da Congregação do Espírito Santo estudando a espiritualidade, os fundadores, o carisma e a missão, bem como, a história da Congregação, da Igreja e da vida religiosa.
Neste ano, Leonardo concluiu o noviciado, com a profissão dos votos religiosos. A etapa seguinte, de acordo com o processo definido por sua congregação é o juniorado. “Estou atualmente morando com mais quatro estudantes Espiritanos e o formador, padre Victor Ferros. Este período do juniorado é marcado pela prática da vida comunitária, a ação pastoral em comunidades da periferia de São Paulo, o estudo da teologia durante quatro anos e um estágio missionário fora do país, podendo ser realizado em qualquer parte do mundo por um período de dois anos”, projeta.
Somente depois deste processo ele poderá apresentar o pedido de votos perpétuos à congregação, tendo na sequência a ordenação diaconal e, depois de seis meses, a presbiteral.
A formação do clero diocesano é um pouco diferente, pois não tem as etapas próprias encontradas na formação do clero religioso. É neste processo que estão inseridos milhares de seminaristas das mais de 260 dioceses do Brasil, como Welson Barbosa, 25, natural de Simplício Mendes (PI) e seminarista da diocese de Oeiras (PI), que está completando nove anos de formação.
Welson entrou no Seminário Menor de Oeiras aos 15 anos, em 2009. Lá concluiu o Ensino Médio. Em 2011, foi para Teresina (PI) para estudar Filosofia, no Seminário Interdiocesano Sagrado Coração de Jesus. Neste ano concluiu a formação inicial, terminando a Teologia.
Para ele foram motivadores de sua missão o testemunho do padre Henrique Geraldo Martinho Gereon “no trabalho social, no empenho com o trabalho pastoral, especialmente com os pobres” e também do padre Possidônio Ferreira Barbosa Júnior, que iniciou seu acompanhamento vocacional por meio de conversas esclareceu algumas questões.
Os testemunhos dos padres são motivadores para despertar a vocação nos jovens, a qual é chamado, mas também resposta. “E esse chamado de Deus não depende da condição física do agraciado. O que importa é o seu coração. Mas, não basta a euforia da alegria inicial que nos invade. São necessárias as condições psicoemocionais e espirituais mínimas”, ressalta o padre Luciano Pimenta, de Garanhuns, mostrando o que é relevante na escolha pelo sacerdócio.
O presbítero recorda a Ratio Fundamentalis Instituitionis Sacerdotalis, publicada pela Congregação para o Clero, em 2016. O documento “estabelece as dimensões do discipulado e da configuração ao Cristo Sacerdote não como tempos cronológicos do processo formativo, como equivalentes ao período da Filosofia e da Teologia, mas como experiências teologais. Tornar-se pessoa integrada, iniciada nos mistérios do Evangelho e sacerdote: esse é o dinâmico itinerário”.
Neste caminho formativo, o seminarista Welson contou com uma formação mais personalizada no seminário de Teresina, “com o olhar para a pessoa nas diversas etapas, na diversidade de talentos, observando os problemas e questões particulares de cada seminarista”. Neste período, já sente o desafio de transmitir Cristo ao mundo e a desesperança que pode abater quem está na missão. “Mas a formação nos dá luzes por meio da oração”, acredita. “Por meio da oração pessoal a gente vai se questionando, acolhendo e despertando a palavra que vai entrando no coração”. Welson conta que a formação vai dando o fundamento de se configurar a Cristo e considera isso um trabalho constante.
Em vista do ministério, Welson tem “expectativa esperançosa” para transmitir a Palavra não só pela pregação, mas pelo testemunho, “sem perder de vista o chão da minha diocese de Oeiras, um Igreja que necessita de acompanhamento, com o povo do semiárido”. E a Igreja de Oeiras, carente de recursos, mas desejosa de evangelização e atendimento pastoral, conta com o projeto Comunhão e Partilha da CNBB para a formação de seus seminaristas, como Welson.
“Me lembra as primeiras comunidades”, conta Barbosa sobre o projeto que arrecada 1% das receitas das dioceses para financiamento da formação dos futuros presbíteros das dioceses que possuem menos recursos. “O projeto coloca a comunhão entre as Igrejas particulares, que perpassa a dimensão laical e chega aos padres e bispos. Ele me ensina a levar isso como testemunho no futuro, ser um padre de comunhão, mesmo tendo tão pouco”, comenta Welson.
O clero do papa Francisco
A formação dos padres também tem ganhado destaque no pontificado do papa Francisco. O pontífice, desde o início do seu ministério petrino tem mostrado o rosto do clero que deseja dar à Igreja. “Papa Francisco propõe que o presbítero seja homem de Deus, que ele deve buscar na oração, e esteja a serviço da missão, na qual os pobres são os privilegiados”, pontua o padre Paulo Carrara.
E é na urgência do essencial que se encontra o magistério de Francisco, de acordo com Carrara, com a proposta da ‘Igreja em saída’, centrada no cuidado com o ser humano, cuja dignidade está ameaçada nos pobres e marginalizados: “O papa critica uma Igreja centrada em si mesma, nas normas, nas estruturas e nos formalismos. Para o papa, não basta ao presbítero conhecer a ortodoxia e as normas litúrgicas, embora isso deva também existir, ele precisa ser alguém que se aproxima das pessoas, convive com elas e se sinta povo de Deus”.
O especialista em formação presbiteral recorda as “duras críticas” de Bergoglio ao clericalismo, chamado por ele de “caricatura do ministério presbiteral”. Vida simples e solidária do presbítero junto ao povo, trabalho em prol do amadurecimento da fé dos fiéis e a centralidade da graça da salvação de Jesus Cristo são algumas indicações do papa recordadas pelo padre redentorista.
“O presbítero é discípulo de Jesus Cristo, vive em íntima comunhão com ele, pondo-se a serviço da missão. Não há lugar para a auto exaltação. Não basta ser ‘padre altarista’, que gosta de bater sino, soltar foguete, organizar festas, procissões, eventos extraordinários que atraem as massas e se centram nas demandas subjetivas sem despertar para o compromisso necessário com a transformação do mundo em Reino de Deus. O presbítero não é um showman, mas um servidor do povo de Deus. Esse desafio que o papa nos lança deve perpassar todas as etapas da formação presbiteral”, pontua.
Formação permanente
E é na formação permanente do presbítero que se encontra o equilíbrio entre a tradição, a experiência e a criação de estratégias de se auto educar. É o que ensina o doutor em psicologia William Cesar Castilho Pereira, autor do livro “O sofrimento psíquico dos presbíteros: dor institucional” (Editora Vozes). “O estudo, a reflexão, a contemplação mística são exigências jamais esgotadas. Não é possível ser educador, professor ou presbítero, formador de pessoas sem um estudo sério, contínuo, para não se cair no vazio do mero ato”, revela Castilho, para quem a formação permanente não significa reciclagem, treinamento, aperfeiçoamento, atualização ou a mera capacitação.
“A formação de qualidade é necessária, em virtude do próprio estado de vida presbiteral, religiosa e de sua missão. De fato, dignidade da vida e da missão do presbítero e dos religiosos exigem formação proporcionada, de alta qualidade. Além disso, as circunstâncias atuais e os desafios da evangelização, em nosso tempo, exigem presbíteros, religiosos especialmente competentes e afetivamente saudáveis”, comenta.
Uma vida ativa e saudável é a que busca levar o presbítero da diocese de Joinville (SC), monsenhor Bertino Weber, de 80 anos. Ordenado em 1964, completou, em junho, 54 anos de sacerdócio. Além de viver e aceitar todas as etapas da vida com alegria, “imitando, tanto quanto, nosso Mestre”, o catarinense faz exercícios físicos cotidianamente, como os jogos de basquete. “Acolher as pessoas. Ajudar a descobrir os caminhos de Deus. Confiar na Providência de Deus. A oração diária é nosso combustível. É preciso levar muitas coisas na esportiva e não se deixar afetar. Deus será sempre nosso companheiro de vida. A evangelização, a oração e exercícios esportivos forjam nossa personalidade”, enumera.
De acordo com o doutor William Castilho, a formação permanente permite contribuir no processo formativo intelectual e afetivo, na motivação para a qualificação, nos relacionamentos, na pesquisa de temas que atravessam o cotidiano da vida presbiteral e religiosa, além de subsidiar a qualificação em termos de gestão de organizações religiosas.
Ao ressaltar a importância da formação permanente, um dos destaques das diretrizes propostas pela 56ª Assembleia Geral da CNBB, monsenhor Bertino recorda a ida de Jesus ao deserto, “para onde ia muita gente sedenta de mudanças”: “Quem se acomoda regride. Não se faz missão sem oração. O Concílio Vaticano II diz que o anúncio do evangelho até os confins do mundo é obrigação de todo cristão. Não devemos ter medo de sujar as mãos. Uma missão descompromissada não serve para Deus. Daí a necessidade da formação permanente. Quem não se encanta por Jesus, por seu reino, sua palavra e por sua missão; dificilmente se manterá no caminho. O segredo da vida espiritual do presbítero está na capacidade de se reencantar a cada dia por Jesus, de recomeçar sempre de novo e partir. Jesus hoje nos diz: ‘Coragem, não tenha medo!’”.
Assediado e seguido por um padrão de beleza estabelecido pela sociedade, padre Luciano Pimenta acredita que “somente por meio de uma maior e melhor integração das dimensões do processo formativo é possível nascer um novo paradigma de presbítero: aquele que nasce da eclesiologia do Documento de Aparecida, o presbítero que nasce da Evangelii Gaudium, que nasce das intuições de Francisco”. Assim, continua o padre, “nascerá o novo presbítero verdadeiramente belo no sentido pleno da palavra”.