O evangelho de hoje nos coloca diante do maior desafio do discípulo de Jesus: reconhecer a necessidade de aprender a rezar. A oração do Pai Nosso chegou até nós por meio de duas tradições evangélicas (Mt 6,6-13; Lc 11,1-4). Apesar de suas respectivas diferenças, ambas contemplam o essencial do ensinamento de Jesus que não quer simplesmente definir uma fórmula de oração, mas uma forma de rezar. A versão de Lucas utilizada na liturgia hodierna evidencia um contexto histórico muito significativo: “Jesus estava rezando num certo lugar. Quando terminou, um de seus discípulos pediu-lhe: Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou a seus discípulos”. O pedido do discípulo não é motivado por um ensinamento de Jesus sobre a importância da oração, mas pelo seu testemunho. A oração é uma necessidade que se aprende; e o testemunho de quem reza de forma autêntica confirma essa necessidade, dando autoridade e força ao seu ensinamento.
Não se sabe com detalhes o conteúdo das orações de Jesus; poucas vezes encontramos relatado o que dizia na oração, mas os discípulos compreenderam que tudo aquilo que Ele ensinava e realizava estava enraizado na íntima comunhão com Pai, alimentada nas longas permanências noturnas em lugares afastados.
- Lucas, por excelência, ressalta a dimensão orante da vida e da missão de Jesus. Todo o seu evangelho é perpassado por momentos nos quais se faz referência à experiência de oração de Jesus, desde o seu batismo até a cruz; as grandes decisões do Mestre também são precedidas por momentos de oração (3,21; 5,16; 6,12; 9,18.28-29; 22,41).
Na oração do Pai Nosso encontramos o resumo de todo o Evangelho, pois revela que Jesus é mestre de oração e da oração. Rezamos o que Ele nos ensinou inspirados no que Ele próprio rezava. Ademais, revela o que Deus é (Pai) e o que nós somos (Filhos-irmãos). Por conseguinte, não é uma fórmula a ser repetida maquinalmente, mas sob a inspiração do Espírito Santo, torna-se experiência de amor filial, insere-nos na missão misteriosa do Filho e do Espírito.
As 05 petições do Pai Nosso (lucano) além de expressarem pedidos a Deus a partir das necessidades fundamentais do ser humano, são também apelos dirigidos ao ser humano para que testemunhe com suas atitudes que Deus atende os seus pedidos; pede-se a Deus, e a prova de que Ele escuta são as atitudes de quem reza.
“Pai, santificado seja o teu nome”: chamar Deus de Pai só é possível para alguém que se reconhece seu filho. Sem a convicção de ser filho que brota da experiência de ser amado, a palavra “Pai” não passaria de uma formalidade artificial. Ainda que não se repita o vocativo (Pai) no início de todas as petições, o orante não pode esquecer com quem está falando cujo nome é Santo. A Santidade de Deus é a sua identidade, é o totalmente Outro, não se confunde com nenhum outro ser, pois é o seu Criador. E sem o reconhecimento dessa identidade de Deus, o ser humano perde a sua própria identidade, deixa de saber quem e qual a sua missão no mundo. Pois foi criado à imagem e semelhança de Deus, também chamado a ser santo.
“(Pai), venha o teu Reino”: o Reino de Deus não é uma circunscrição geográfica sob o domínio de Deus, mas é a sua ação em relação à sua obra, cujo ápice está no relacionamento com o ser humano. Deus não é uma entidade distante e fechada na sua majestade, mas um Deus que, por amor, se revela próximo e comprometido com o bem, sobretudo, dos seus filhos.
“(Pai), Dá-nos a cada dia o pão de que precisamos” em muitas culturas a palavra pão resume todas as necessidades materiais. Sendo o pai o primeiro responsável para prover tudo o que é necessário para os seus filhos, Jesus nos recorda que o Pai do céu não negligencia essa sua tarefa, nos concedendo tudo o que precisamos para viver.
“(Pai), perdoa-nos os nossos pecados, pois nós perdoamos a todos os nossos devedores”. Este pedido rompe a tendência egoísta de pensar que nossas necessidades dizem respeito apenas ao nosso viver individual. Porém, não estamos sozinhos no mundo, não somos filhos únicos e exclusivos. Ainda que na versão S. Lucas não encontremos o “nosso” (Pai nosso), todas as petições explicitamente fazem referência à primeira pessoa do plural (nos, nossos etc.). Se o pão resume o essencial para viver, o perdão implica o que mais necessitamos para conviver. Podemos ter tudo para viver, mas se faltar o essencial para conviver perderemos a nossa identidade de pessoa, imagem e semelhança de Deus, chamada a amar.
“(Pai), e não nos deixes cair em tentação”. No início do evangelho Jesus, o Filho unigênito de Deus, enfrentou tentações (4,1-13) que são as mesmas tentações para quem chama Deus de Pai, isto é, cair na infidelidade de não ser seu filho. O tentador coloca Jesus à prova: “Se és Filho de Deus”, mas querendo que Ele assuma atitudes que neguem a obediência e a fidelidade ao Pai, logo, a sua identidade de filho coerente (destruir a criação: transformar pedra em pão; trocar o reino de Deus pelos reinos do mundo; rejeitar a cruz apegando-se à sua condição divina). Esta conclusão da oração é um veemente apelo: se chamamos Deus de Pai não devemos cair na tentação de não ser e agir como seus filhos.
A parábola seguinte elucida de forma concreta as atitudes do autêntico orante: a intimidade de um verdadeiro amigo que confia sempre e, por isso, não se constrange de procurar, independentemente das circunstâncias ou das necessidades, pois tem a firme certeza de que será atendido; a humildade para reconhecer suas necessidades e por isso bate insistentemente, porque sabe que a porta onde está batendo é da casa de um amigo; a convicção de que o outro é bom e, mesmo se não fosse seu amigo, daria o que lhe pede, pois sabe que ele tem, e, por isso, sabe onde está procurando.
Ao concluir seu ensinamento sobre a oração, Jesus anuncia que a resposta de Deus à oração de quem o reconhece como Pai supera todas as expectativas, isto é, receberá o Espírito Santo, o mesmo que guiou Jesus no deserto para não cair nas tentações, o mesmo que o acompanhou durante a sua missão, o mesmo que será concedido à Igreja para poder dizer: “Pai…”
