Para nós cristãos a mensagem do evangelho de hoje é muito clara e realista: “A vida de um homem não consiste na abundância de bens”; contudo, para uma boa parte da humanidade tal princípio contradiz as suas perspectivas e expectativas materialistas. Não podemos negar a forte e persuasiva propaganda consumista e hedonista que exerce hoje grande influência na mentalidade e na maneira de agir de muitas pessoas, cujo objetivo de vida é aumentar suas posses materiais na ilusão de garantia de vida e ter solução para todos os seus problemas.
A advertência de Jesus: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância” não nega a utilidade dos bens materiais que favorecem condições de vida digna e honesta (alimentação, moradia, saúde, vestuário etc.). O problema não está na aquisição e posse de bens, mas na avareza, cupidez (etimologicamente no grego ganância significa “ter demais” pléon exein). Todo excesso pode causar desperdício, criando situações de miséria para alguns e luxo desmedido para outros. Sem dúvida, uma das causas de tanta gente passando fome é o desperdício de alimento na mesa de alguns que são incapazes de compartilhar. A ganância é um apego desordenado que desumaniza o ser humano, tornando-o uma espécie de traça ou ferrugem que se nutre apenas de coisas materiais. Na raiz da ganância está um ser desumanizado que renunciou a duas capacidades essenciais de sua existência: a solidariedade com o próximo e a gratidão a Deus. Fechando-se ao transcendente de onde tudo provém, apodera-se dos bens da criação como se fossem apenas para si; fechando-se ao semelhante, mergulha no egoísmo que o conduz à morte de valores e ao esvaziamento da própria existência pois se encontra absolutamente sozinho.
Diante da grande colheita a primeira atitude do rico deveria ser agradecer a Deus pois é Ele quem abençoa a terra e a faz produzir. Esse rico avarento é símbolo do ser humano que entrou num processo de perda de sua identidade como gente, isto é, não se reconhece como criatura de Deus, um filho amado que Dele recebe os bens e, portanto, a atitude mais lúcida diante dessa verdade seria louvar o seu Criador por tudo aquilo que lhe favoreceu, como testemunha a sabedoria bíblica: “A terra produziu o seu fruto: Deus, o nosso Deus, nos abençoa, e todos os confins da terra o temerão” (Sl 67,7.8). Porque não se reconhece criatura, desconsidera o Criador, e ao invés de dizer à sua alma: “Bendize a Javé, ó minh´alma, e tudo o que há em mim ao seu santo nome! Bendize a Javé, ó minha alma, e não esqueças nenhum dos seus benefícios” (Sl 103,1.2), assume uma atitude de soberba e arrogância colocando-se no lugar de Deus. Ao invés de dirigir-se a Deus, dirige-se a si mesmo, quase como prestando um culto à sua onipotência material: “Meu caro, tu tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita!” Os quatro imperativos (descansa, come, bebe, aproveita) têm todos conotação religiosa: o descanso sabático para o culto a Deus que repousou no 7º dia depois de ter concluído a sua obra; no repouso sabático faz-se memória da criação e da aliança; come e bebe: ações rituais do culto e devem ser realizadas diante do Senhor; aproveita (no grego eu-phren triunfo interior, celebrar). Tudo o que o rico manda a sua alma fazer tem como destinatário o seu ego idolatrizado.
A outra atitude desumanizante desse rico, consequência da sua falta de reconhecimento da bondade de Deus, é não ser bondoso para com o semelhante, sobretudo os pobres. Não pensa em repartir abundância de seus bens, mas acumulá-los, mesmo sem ter onde colocá-los. E, portanto, torna-se um louco e infeliz. Pois é feliz: “O homem que teme a Javé e se compraz em seus mandamentos… Na sua casa há abundância e riqueza… Ele distribui aos indigentes com largueza, sua justiça permanece para sempre…” (Sl 112,1.3.9).
Não basta apenas reconhecer que um dia morreremos e que não levaremos nada de material conosco, mas se enquanto vivemos temos ao nosso dispor tantos bens, sejam da natureza ou do fruto do nosso agir no mundo, a questão fundamental é como administramos tudo isso. Como arrogantes que pensam ser donos de tudo, numa competição desumana acumulando sem necessidade, provocando a escandalosa miséria dos outros, ou como pessoas generosas e gratas que reconhecem os benefícios de Deus e sabe que, sendo Ele o Pai de todos, a melhor maneira de louvá-lo é viver como irmãos que compartilham de toda a riqueza. Pois não bastam celeiros cheios, é preciso o coração pleno de gratidão e as mãos abertas para a comunhão.
O ser humano criado por Deus para ser seu colaborador, também será julgado por Ele nas suas decisões e na administração dos bens a ele confiados; e como diz S Tiago: “Porque o juízo será sem misericórdia sobre aquele que não fez misericórdia; mas a misericórdia triunfa do juízo” (Tg 2,13).

 
                 
 
		








