“A Páscoa de Jesus, a sua passagem deste mundo para a glória do Pai, através da paixão, e morte, se cumpriu para que se tornasse a Páscoa de toda a humanidade. Maria é certamente a criatura mais inserida neste mistério, porque foi redimida desde o momento da sua Imaculada Conceição, em previsão dos méritos de Cristo, e depois foi associada de modo especial à paixão e glória do seu Filho. A Assunção de Maria ao céu, é, portanto, o mistério da Páscoa plenamente realizado nela” (Cristo, Festa da Igreja, p. 461). A Solenidade de hoje nos convida a proclamar a verdade da Palavra de Deus que ressoou profeticamente pelos lábios de Maria: “O Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor”. A Igreja fiel à sua missão, ao longo de sua história, reconhece e proclama essas grandes maravilhas; os dogmas marianos (Mãe de Deus, Sempre Virgem, Imaculada, Assunta) confirmam oficialmente essas verdades de fé, cujo fundamento é a encarnação, morte e ressurreição do Filho eterno do Pai que se fez homem no seio de Maria. Os dois primeiros dogmas reafirmam quem Jesus é (Deus), os demais, o que Ele fez (redenção e salvação).
Antes mesmo de ser uma verdade proclamada (Dogma – 1950), a Assunção de Maria é um dado de fé celebrado (desde o séc. II), fundamentado na Revelação consignada nas Sagradas Escrituras e elucidado ao longo da Sagrada Tradição da Igreja.
A linguagem simbólica da 1ª leitura nos apresenta a realidade da Igreja (Mulher), Povo da Nova Aliança (coroa de 12 estrelas), que tem como sua representante aquela que foi chamada para ser a mãe do Filho de Deus; portanto, o autor se inspira numa realidade muito concreta, longe de ser uma reformulação de mitos femininos, a sua base realística é uma mulher concreta, cujo nome é Maria, e cujo “filho homem veio para governar todas as nações”.
O salmo responsorial recorda uma tradição da realeza (cf. 2Rs 24,12), isto é, nos momentos solenes da aparição do rei, a sua mãe, a rainha, estava sempre ao seu lado: “À vossa direita se encontra a rainha”; Cristo é o nosso rei que está sentado à direita do Pai, por isso cremos que à sua direita se encontra a sua mãe, a rainha do céu.
São Paulo reafirma que a ressurreição de Cristo inaugura o novo tempo, a nova criação, pois Ele é o novo Adão. Se na primeira criação os primeiros habitantes foram Adão e Eva, como não acreditar que o novo Adão que quis nascer de uma mulher na plenitude dos tempos não a tornaria a nova Eva para entrar com Ele no novo paraíso?!
O evangelho desta solenidade evidencia a vocação e missão de Maria junto a seu filho e, consequentemente, no seio do novo povo de Deus, que é a Igreja. A cena da visitação não é simplesmente o encontro generoso e alegre de duas mulheres unidas por laços familiares, mas um momento de grande revelação: nas palavras de Isabel, sob a ação do Espírito Santo, Maria é proclamada Mãe de Deus (“mãe do meu Senhor”) e modelo de crente (aquela que acreditou).
Os pronomes usados nas palavras de Isabel indicam a individualidade única de Maria como mãe (bendita és tu), e a representatividade universal dos fiéis como crente (bendita aquela que acreditou). Portanto, Maria é verdadeiramente a mulher da primeira leitura. Não é por acaso que Isabel recebe Maria em sua casa com palavras semelhantes àquelas proferidas pelo rei Davi quando a arca da aliança era transportada para o seu palácio: “Como virá a Arca do Senhor para ficar na minha casa?” (2Sm 6,9). Do ponto de vista bíblico, uma das mais profundas invocações da Ladainha de Nossa Senhora é justamente “Arca da Aliança” e, logo em seguida, “Porta do céu”. Assim como a arca permaneceu três meses na casa de Obed-Edom (2Sm 6,11), Maria permaneceu três meses na casa de Isabel.
Diante de tantas exclamações de Isabel, a reação de Maria é proclamar as obras maravilhosas do Senhor no seu Magnificat, inspirado no Antigo Testamento e na espiritualidade da filha de Sião (cf. 1Sm 2,1-10; Is 61,10-11). Contudo, supera os textos proféticos que estão em sua origem, revelando que na “cheia de graça” a intervenção divina vai além das esperanças messiânicas de Israel, isto é, a encarnação do Verbo. Deus não envia apenas um Messias para libertar seu povo, mas Ele mesmo vem salvá-lo. Maria canta as maravilhas de Deus realizadas nela (1,46-49), na humanidade (1,51-53) e no povo de Israel (1,54-55). O Documento de Puebla (297) afirma que o Magnificat é “o espelho da alma de Maria, o cume da espiritualidade dos pobres de Javé e do profetismo da Antiga Aliança e o prelúdio do Sermão da Montanha”.
Neste cântico, Maria expressa sua gratidão e louvor a Deus pela graça e bondade que Ele lhe demonstrou.
“A minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito se alegra…”. Ela reconhece a grandeza de Deus e Seu papel em Sua vida e na história da redenção. Ela reconhece que tudo o que ela é e tudo o que ela tem é um presente de Deus. Alma (psiché) e espírito (pneuma) traduzindo o nesh (hebraico: garganta) e ruah (hebraico: sopro) indicam a totalidade do ser, portanto não há nada em Maria que não seja para engrandecer a Deus. Tudo o que nela se realiza e tudo o que ela é testemunham as maravilhas de Deus
“Porque olhou para humildade de sua serva”. Maria reconhece que é apenas uma serva de Deus, como havia respondido ao anjo Gabriel que lhe anuncia uma missão especial, por isso ela se submete à vontade de Deus e declara que todas as gerações a chamarão bem-aventurada por causa disso.
“Ele mostrou a força do seu braço”. Assim ela enfatiza a justiça de Deus; ela celebra a maneira como Deus está transformando o mundo através de Seu plano de salvação.
“Socorreu Israel, lembrando-se da sua aliança”. Maria se regozija porque sabe que Deus cumpriu suas promessas e está prestes a trazer salvação ao seu povo através do nascimento de Jesus.
O Magnificat não é apenas um hino de louvor a Deus, mas um verdadeiro testemunho da sua fidelidade às suas promessas que verdadeiramente se cumprem. E se o grande anúncio do evangelho é a vida em plenitude (cf. Jo 10,10), e que Deus não deixa inacabada a obra que suas mãos (Sl 138,8), como não proclamar que em Maria a obra de Deus é plena; não é coerente pensar que ela está aguardando o cumprimento das promessas a ela feitas, pois ela mesma é testemunha de que se cumpriram, por isso podemos dizer “Todas as gerações a chamarão bem-aventurada”.

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana