Ascensão do Senhor: Lc 24,46-53 – O elevado na Cruz penetrou os céus

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
 
A Solenidade da Ascensão do Senhor nos introduz na grande semana de preparação para o Pentecostes. Nas próprias instruções dadas durante os quarenta dias que esteve com os discípulos, o Senhor Ressuscitado os adverte a fim de que permaneçam unidos aguardando a realização da promessa do Pai, isto é, a vinda do Espírito Santo (1ª Leitura). A liturgia, de forma muito didática e coerente com os fatos bíblicos, nos ajuda a percorrer um caminho aparentemente cronológico de aproximação ao único e indiviso mistério da nossa salvação, que se realiza na encarnação-vida-morte-ressurreição-ascensão do Senhor cujo transbordamento do seu amor é a vinda do Espírito Santo, que nos confirma na condição de filhos de Deus e testemunhas do Ressuscitado.
A Ascensão do Senhor não representa um retorno espacial que cria distância, ausência e vazio, mas pelo contrário, contemplar o Senhor que sobe aos céus é reconhecê-lo como “nossa cabeça e princípio, que nos precedeu não para afastar-se de nossa humildade, mas para dar a nós, membros do seu corpo, a confiança de um dia o seguirmos” (Prefácio da Ascensão I).
O Verbo eterno, ao encarnar-se, não veio dar uma volta na Terra, um passeio turístico num mundo desconhecido; sua vinda ao mundo revela uma verdade: “Deus amou tanto o mundo que enviou o seu Filho ao mundo para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3,16). É muito significativo que um pouco antes de pronunciar essa verdade Jesus tenha dito a Nicodemos: “É necessário que o Filho do Homem seja levantado, a fim de que todo aquele que crer nele tenha a vida eterna” (Jo 3,15). Portanto, a elevação de Jesus (Cruz-Ascensão) é o cumprimento definitivo desta verdade do amor que nos alcança como salvação e que deve ser acolhido na fé-adesão. Na perspectiva cristã, enquanto peregrinamos na esperança, não existe amor sem adesão de fé: “Quem me ama guardará a minha palavra” (Jo 14,23). Um amor que não se expressa no seguimento é, na verdade, puro sentimentalismo epidérmico, não tem raízes, portanto, não persevera nem amadurece na fidelidade.
Vindo a este mundo decaído por causa do pecado, a missão de Jesus se realiza num permanente movimento de ascensão, isto é, subida para Deus levando consigo a humanidade redimida. Como rezamos na coleta desta missa: “Na ascensão de Cristo nossa humanidade foi elevada junto a vós”; aderir a Cristo pela fé é fazer parte do seu corpo místico, e não teria sentido afirmar que Ele, cabeça, elevou-se ao céu sem acreditarmos que nós também, membros do seu corpo, subimos com Ele; caso contrário, teríamos sido decepados na hora de sua Ascensão, e ficando assim na terra como galhos cortados, destinados à morte. Sem acreditar que “fomos salvos na esperança” (Rm 8,24), esvazia-se a nossa vida cristã enquanto peregrinamos aqui no mundo, pois não saberíamos para onde estamos indo.
A narração da Ascensão do Senhor segundo São Lucas tem aspectos importantes que nos ajudam a compreender esse acontecimento, que ultrapassa o horizonte do tempo e do espaço históricos, pois nos leva antecipadamente ao céu e, ao mesmo tempo, nos faz reconhecer o céu próximo de nós. Antes de tudo, o próprio Ressuscitado no momento de sua ascensão recorda aos discípulos a indivisível totalidade da sua obra salvífica: “Assim está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia”. A morte e ressurreição de Jesus não são acontecimentos relegados ao passado, mas a memória permanente e atual que garante a sua presença entre os seus, fortalecendo-os na missão. Jesus indica o caminho para subir com Ele: “E no seu nome, serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações…”. À humanidade mergulhada no abismo, encurvada pelo peso do próprio pecado, anuncia-se a esperança de poder erguer-se, levantar-se para viver a dignidade da filiação divina; a conversão (mudança de rumo e de mentalidade) agora se concretiza no seguimento de Cristo, que elevando-se ao Pai, nos leva consigo. O perdão dos pecados, fruto da morte-ressurreição do Senhor, nos desprende de todo o jugo que aprisiona e torna pesado o movimento de subida: as realidades desumanas de egoísmo, ambição, ódio, avareza, impureza, desunião, falsos valores etc. Diz um antigo provérbio: “Quem sobe montanhas não carrega pedras”; sem a conversão e o perdão dos pecados, decepamo-nos da cabeça que subiu, e permanecemos prostrados, inertes destinados ao vale da morte.
O anúncio da salvação que exige conversão torna-se um imperativo para as testemunhas do Ressuscitado; seríamos infiéis e traidores se não o fizéssemos. Evangelização sem convite à conversão é relativismo que enfraquece e esvazia a missão e aliena os seus destinatários; evangelização que visa apenas transformar situações externas, sem alcançar o coração humano desejoso de elevar-se e de encontrar vida plena, pode levar a um cansaço e frustração irreparáveis. Muitos cristãos que se reduziram a agentes filantrópicos caíram no vazio existencial e não conseguiram alçar voo.
Toda a missão deve se realizar em chave martyrial: “Vós sereis testemunhas de tudo isso”. Na perspectiva de São Lucas, a história da Salvação tem três momentos: O Antigo Testamento é o tempo do anúncio das promessas; em Jesus as promessas se cumprem (Evangelho), e por fim o tempo do testemunho (Igreja). Por conseguinte, a missão da Igreja não é, em primeiro lugar, realizar algo, mas testemunhar o que Deus realizou no seu Filho em favor da humanidade. A partir desse testemunho (martyria), todas as outras dimensões da vida da Igreja se desenvolvem organicamente (catequese, diaconia, liturgia). A missão não é um fazer nosso em favor de outros, mas um fazer de Deus, em seu Filho (cabeça-membros) em favor da humanidade; é Deus quem nos salva libertando-nos do pecado (pessoal-social-individual-estrutural). Na cruz, Jesus não apenas morreu injustamente aos olhos humanos, mas realizou a grande prova do seu serviço à humanidade: testemunhou fielmente o amor do Pai. Sem esta prova seria impossível falar ao mundo do verdadeiro amor e sem testemunhar esse amor a humanidade não acreditaria nele. Por outro lado, ser testemunhas não é tornar-se protagonistas absolutos da missão, pois sem a força o alto, nada se poderá fazer. Por isso Jesus promete: “Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu”.
Por fim, um elemento próprio e muito importante de São Lucas na narração da Ascensão: “Elevando-se, Jesus os abençoava”. Assim, portanto, chegamos ao ponto mais alto da narração: ascensão e bênção. Na verdade, a Ascensão do Senhor é a maior bênção que os discípulos receberam, pois, se por um lado, confirma a realização da missão de Jesus, por outro, anuncia o início da missão dos discípulos, que uma vez revestidos da força do alto, devem prolongar no tempo e no espaço, na história até a consumação dos séculos, o que Jesus fez e ensinou, sendo disto testemunhas.
Também, nós membros do seu Corpo, somos renovados nesta solenidade com a bênção da missão, para continuarmos o movimento de subida, pois o Elevado na cruz já atravessou os céus, elevando-nos com Ele.
 
 
Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana