Comemoração dos Fiéis Defuntos: 2Cor 2,9 – “Os olhos jamais contemplaram”

A comemoração dos fiéis defuntos que hoje celebramos, longe de ser uma simples homenagem póstuma aos nossos entes queridos, é uma verdadeira profissão de fé na vida eterna, pois se não acreditássemos na vitória de Cristo sobre a morte, bastava apenas depositar algumas flores sobre o túmulo dos nossos defuntos como expressão cultural e afetiva, e torcer para que a nossa vez de receber tais homenagens ainda leve muitos anos. Como afirma São Paulo: “Se temos esperança em Cristo tão somente para esta vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens” (1Cor 15,19). Por isso, a importância do dia de hoje não está na ocasião de visitar o cemitério ou focar nossa atenção em quem não está mais conosco ou mesmo intensificar o sentimento de saudade por quem já se foi. Mas porque “Nós cremos na vida eterna e na feliz ressurreição” toda a realidade sombria da morte se ilumina e celebrando o mistério pascal nos renovamos na certeza de que a morte não tem a última palavra.
A crença na imortalidade é atestada ao longo da história da humanidade por meio de muitas representações e expressões culturais nos mais variados povos e civilizações, contudo é a revelação bíblica que ilumina essa intuição humana concedendo-lhe os fundamentos para crer na ressurreição dos mortos. Já no Antigo Testamento, o sábio Jó muito antes da plena revelação desta verdade em Jesus Cristo, testemunha: “Sei que o meu redentor está vivo… Eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão”.  
A liturgia da Igreja nos reserva hoje uma oportunidade de realizarmos a mais alta caridade para com os nossos entes queridos falecidos: “Rezar a Deus por vivos e defuntos: é uma das maiores obras de misericórdia espirituais é a oração pela Igreja Militante e Padecente, ou seja, por aqueles que caminham neste mundo para alcançar a santidade e por aqueles que já morreram e aguardam no purgatório o dia de se tornarem Igreja Triunfante no céu”. São previstas três missas em sufrágio pelas almas do purgatório e aplicação de indulgências plenárias conforme as normas estabelecidas. 
A oração pelos falecidos, como obra de misericórdia, tem suas raízes na fé no amor de Deus, para quem nada é impossível. Quando Jesus chegou à casa de Marta e Maria, Lázaro o irmão delas já havia morrido há quatro dias. Marta disse a Jesus: “Senhor, se estivesses aqui meu irmão não teria morrido”. Até aqui se poderia pensar que depois da morte nada mais se poderia fazer, mas ela continua: “Mas ainda agora sei que tudo o que pedires a Deus, ele te concederá” (Jo 11,21.22). 
A oração que fazemos pelos defuntos é súplica confiante Àquele que é o Senhor da vida, o justo e misericordioso juiz. Colocar limites ao poder de Deus significa duvidar de sua liberdade onipotente que transcende nosso entendimento e nossos cálculos mesquinhos. 
Contudo, confiar na misericórdia de Deus que vai para além de qualquer limite não nos isenta de nossa responsabilidade, por isso nos adverte o Senhor: “Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas”. Esses dois elementos simbólicos indicam a totalidade da vida, a permanente vigilância. Os rins cingidos evocam o dia, uma vez que ter o cinto prendendo a roupa facilita o trabalho, a viagem, as atividades, portanto, tudo o que se pode fazer durante o dia; ter as lâmpadas acesas evoca a noite. Acendem-se lâmpadas ao anoitecer, diante de uma necessidade inesperada, uma urgência para realizar algo ou mesmo deslocar-se. Na perspectiva espiritual, as duas imagens usadas por Jesus visam a prontidão e a disponibilidade para o serviço (missão), isto é, a prática das boas obras (rins cingidos) à luz da fé (lâmpadas acesas). 
O cristão tem consciência de que toda a sua vida deve ser pautada pelo seguimento do seu Senhor. Portanto, a necessidade de estar sempre disponível para servi-lo, expressão do seu amor e fidelidade. 
Para quem assume a sua missão com amor e generosidade, não lhe importa saber a hora exata que se chegará ao fim; conta mais a fidelidade na missão do que a sua conclusão. 
Com os rins cingidos está sempre pronto para servir; com as lâmpadas acesas, estará sempre pronto para partir. Ainda que não se saiba quando virá, uma certeza já se tem: a sua vinda. A melhor preparação não será especular quando chegará, mas enquanto não chega realizar o que Ele encarregou de fazer.
Felizes serão, se assim os encontrar”. A felicidade eterna é antecipada pela fidelidade na missão que nos torna sempre servos operantes e vigilantes que se alegram não simplesmente com a vinda do Senhor, mas porque sabem que Ele virá; por outro lado, tem o coração perturbado pelo medo quem sabe que não manteve os rins cingidos e as suas lâmpadas acesas. 
Que a nossa oração pelos queridos defuntos nos ajude a renovar a nossa fé no amor de Deus que não tem limites, mas também nos ajude a reconhecer a verdade da nossa peregrinação rumo a eternidade que exige rins cingidos e lâmpadas acesas.
 
 
Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana