Dicastério para Comunicação do Vaticano publica documento sobre presença dos cristãos no ambiente digital

Em todo o documento há referências a pronunciamentos do Papa Francisco, especialmente em suas mensagens para o Dia Mundial das Comunicações Sociais e reflexões sobre a presença dos cristãos no ambiente digital

O Dicastério para a Comunicação do Vaticano divulgou nesta segunda-feira, 29, o documento Rumo à presença plena: uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociaissobre a presença dos cristãos no ambiente digital, a partir de uma afirmação da cultura do encontro, de uma comunicação autêntica e da geração de vínculos em comunidade. A publicação é a primeira oficial do organismo romano após a reforma da Cúria. Os últimos documentos emitidos por um órgão semelhante foram em 2002, pelo extinto Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, intitulados A Igreja e internet e Ética na internet.

O objetivo do texto, conforme destacado pelo Dicastério, é promover uma reflexão comum a respeito da participação dos cristãos nas redes sociais, que estão cada vez mais presentes na vida das pessoas. Inspirando-se na parábola do Bom Samaritano, o documento visa dar início a uma reflexão comum, a partir da fé, para fomentar uma cultura de “amor ao próximo” também na esfera digital, com um sentido de pertença, reciprocidade e solidariedade são os pilares para edificar um sentido de comunidade que, em última análise, deveria fortalecer as comunidades locais, capazes de se tornar motores de mudança.

Ambiente digital
Sbardelotto é uma referência nacional nas pesquisas em comunicação e religião (Créditos: Arquivo pessoal)

Doutor em comunicação e professor da PUC Minas, Moisés Sbardelotto é um dos brasileiros que contribuíram no processo de reflexão para elaboração do documento que, segundo ele, “foi significativamente sinodal, reunindo pessoas com vivências eclesiais diversas e provenientes de várias partes do mundo.” O próprio documento afirma que o documento é “resultado de uma reflexão que envolveu especialistas, professores, jovens profissionais e líderes, leigos, clérigos e religiosos” (n. 5).

“Foi uma experiência muito rica de debate, intercâmbio e aprendizagem. Primeiramente, participei de dois encontros online promovidos pelo Dicastério para a Comunicação em março de 2022 sobre os principais tópicos do texto. Depois, em meados de julho de 2022, redigi alguns parágrafos específicos, que hoje fazem parte do documento final. E, em novembro de 2022, pude ler e comentar uma primeira versão do documento na íntegra, enviando minhas críticas e sugestões de modificação ao Dicastério. Logo em seguida, os membros do Dicastério se reuniriam em sua assembleia plenária para debater o documento, a partir das considerações provenientes dos colaboradores do mundo inteiro”, sublinhou o pesquisador do Núcleo de Estudos em Comunicação e Teologia (Nect), do Anima PUC Minas.

Inspirado na parábola do Bom Samaritano, que o Papa Francisco descreve em sua primeira mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, em 2014, como a parábola do comunicador, o documento tem 82 parágrafos, organizados em quatro grandes partes.

Confira, a seguir, a síntese de cada parte do documento apresentada pelo Dicastério.

 

Prestar atenção às ciladas nas rodovias digitais

A revolução digital criou oportunidades, mas também apresenta alguns desafios. O documento identifica várias ciladas a evitar quando percorremos as “rodovias digitais”. Da redução de usuários individuais a consumidores e mercadorias, à criação de “espaços individualistas” para satisfazer indivíduos que têm a mesma opinião ou incentivar comportamentos extremos, o percurso através do ambiente online é uma viagem em que muitos foram marginalizados e feridos. Isto estimula os cristãos a formular a seguinte pergunta: como podemos ajudar o ambiente online a tornar-se um lugar de partilha, colaboração e pertença, baseado na confiança mútua?

 

Da consciência ao verdadeiro encontro

Tornar-se próximo no ambiente das redes sociais começa com a disposição para escutar, ciente de que os outros que encontramos online são pessoas reais. Até em um ambiente onde há “excesso de informações”, tal atitude de escuta intencional e de abertura do coração torna possível passar da mera consciência do outro para um encontro genuíno. Podemos começar a reconhecer nosso próximo digital, compreendendo que seus sofrimentos nos dizem respeito. Nosso objetivo é construir não só “conexões”, mas encontros que se tornem relacionamentos reais, fortalecendo as comunidades locais.

Papa Francisco sorridente abraça idosa
Papa Francisco encontra uma idosa durante Audiência geral (Créditos: Shutterstock)

 

Do encontro à comunidade

Na nossa viagem ao longo das rodovias digitais, encontramos outras pessoas, quer com o espírito de espectadores indiferentes, quer com o espírito de apoio e camaradagem. Se fizermos a segunda opção, nós – que às vezes somos o bom samaritano e outras vezes o ferido – poderemos começar a contribuir para curar as feridas causadas por um ambiente digital tóxico. Temos que reconstruir os espaços digitais, para que se tornem ambientes mais humanos e saudáveis. Ao mesmo tempo, podemos ajudar a orientar tais ambientes a fim de que fomentem comunidades reais baseadas no encontro encarnado, indispensável para aqueles que acreditam na Palavra que se tornou carne.

 

Um estilo distintivo

Os cristãos levam um “estilo” distintivo às redes sociais, um estilo de partilha que tem suas origens em Cristo, que nos amou e se ofereceu por nós com suas palavras, ações, alma e corpo. Ele ensinou-nos que a verdade se revela na comunhão, e que também a comunicação deriva da comunhão, ou seja, do amor. A presença dos cristãos na mídia digital refletirá este estilo, comunicando informações verdadeiras criativamente, de modo que surja da amizade e construa comunidade. Lançará mão de histórias; exercerá sua influência online de maneira responsável, enquanto os cristãos se tornarão “tecelões de comunhão”; será reflexiva, não reativa; será ativa na promoção de atividades e projetos que promovam a dignidade humana; e será sinodal, ajudando-nos a abrir nosso coração e a abraçar nossos irmãos e irmãs.

Esta presença dos cristãos nas redes sociais terá também o sinal do testemunho. Os cristãos não estão ali presentes para vender um produto nem para fazer proselitismo, mas ao contrário para dar testemunho. Ou seja, estão ali presentes para atestar, com suas palavras e com sua vida, o que outra pessoa – Deus – fez, forjando uma comunhão que nos une em Cristo.

Quer sejam às vezes o ferido, outras vezes o samaritano, ou ambos, os encontros fortuitos dos cristãos nas plataformas das redes sociais tornam-se um encontro com o próximo, cuja vida lhes diz respeito e, em última instância, com o Senhor. Deste modo, a comunicação proporciona um sabor de comunhão, que tem suas raízes na Santíssima Trindade e é nossa verdadeira “terra prometida”.