Uma “santa” pernambucana: Irmã Adélia pode ser a primeira santa pernambucana.

Em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (13), a Igreja Católica fará declaração sobre mensagens reveladas à Maria da Luz, que ficou conhecida como irmã Adélia

Durante a vida religiosa, a Irmã Adélia se dedicou aos trabalhos sociais, com contribuições em diferentes frentes de atuação, especialmente as atividades desempenhadas na Vila Santa Luzia, com ações que buscavam estruturar moradias para as famílias carentes do Recife. A religiosa também desenvolveu um efetivo trabalho entre os indígenas, a partir do final da década de 1980, quando retornou ao lugar das aparições marianas.

Por: Carlos André Silva de Moura e frei Jociel João Gomes da Silva (Vatican News)

Nas últimas décadas têm crescido o número de processos de beatificação e canonização que são postulados na Santa Sé, seja pela menor burocracia, comparando-se com os séculos anteriores, pela facilidade de comunicação entre os interessados ou o incentivo dos líderes da Cúria romana que, mesmo com os requisitos das legislações eclesiásticas, estimulam o reconhecimento das devoções em diferentes localidades. Representantes de diversas dioceses, ordens ou congregações do Brasil têm acompanhado os apelos de fiéis, que reconhecem em muitos personagens uma vida de devoção, santidade e obras destinadas aos mais necessitados.

A canonização da Santa Dulce dos Pobres, realizada em 13 de outubro de 2019, é um exemplo da consideração da Cúria romana a uma vida de missão realizada em lugares que muitas vezes são esquecidos pelos veículos de comunicação e propaganda. As ações se constituem em uma das condições para o reconhecimento do trabalho destes religiosos, com a construção de projetos que provocam mudanças no cotidiano dos diferentes grupos sociais e a compreensão de um catolicismo atuante entre os necessitados.

As dioceses em Pernambuco (Brasil) têm acompanhado as orientações de Roma, com a organização de processos que representam parte das devoções oriundas do povo. Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira (1844-1878), Frei Damião de Bozzano (1898-1997), Dom Helder Camara (1909-1999), Dom Expedito Lopes (1914-1957) e Irmã Adélia Carvalho (1922-2013) são alguns nomes que estão com documentações em análise nas diferentes instâncias do Vaticano, com o objetivo da sua inserção nos altares. Dentre os religiosos de diversos segmentos, orientações, carismas e formas devocionais distintas, destaca-se a Irmã Adélia, religiosa do  Instituto das Damas da Instrução Cristã, que conduziu projetos sociais em várias localidades, especialmente, nas periferias da cidade do Recife.

Maria da Conceição e Maria da Luz na Vila de Cimbres (Pesqueira – PE) / Fonte: Acervo do Arquivo da Diocese de Pesqueira

A Irmã Adélia nasceu em Pesqueira, com o nome civil de Maria da Luz Teixeira de Carvalho, e foi uma das personagens das aparições de Nossa Senhora da Graça iniciadas em 06 de agosto de 1936 no Agreste pernambucano. Junto com Maria da Conceição Silva (1920-1999), protagonizou um evento que fez parte de uma das principais redes de devoções no mundo ocidental. Em um contexto de dificuldades sociais, de investidas de grupos armados, como o comandado por Virgulino Ferreira (Lampião), as jovens foram testemunhas das mensagens marianas em uma localidade esquecida pelo poder público, com resquícios de um passado marcado pela escravidão e a exploração econômica, cultural e social.

Os fatos ocorridos na Vila de Cimbres fazem parte de um conjunto de eventos visionários que seguiram elementos presentes em outros acontecimentos, como nas aparições em Lourdes (França-1858) e Fátima (Portugal-1917). Os episódios foram relatados por crianças, em um instante de atritos sociopolíticos e de execução de projetos de reafirmação dos ensinamentos católicos. As mensagens seguiram as orientações de valorização da fé, proteção aos eclesiásticos e divulgação das mensagens marianas. Neste sentido, consideramos as aparições em Pernambuco como parte de acontecimentos transnacionais e integrante de uma rede de colaboração, mas que resguardou as suas especificidades locais.

Irmã Adélia no projeto social na Vila Santa Luzia (Recife – PE) / Fonte: Acervo documental da Comissão Histórica e Arquivística do Processo de Beatificação e Canonização

Durante a vida religiosa, a Irmã Adélia se dedicou aos trabalhos sociais, com contribuições em diferentes frentes de atuação, especialmente as atividades desempenhadas na Vila Santa Luzia, com ações que buscavam estruturar moradias para as famílias carentes do Recife. Os seus projetos também se direcionaram à educação, com organização de espaços escolares e o atendimento a crianças em situação de vulnerabilidade social, com propostas de alfabetização e atenção os integrantes das suas famílias. As atividades da religiosa foram apoiadas pelos diferentes setores do Instituto das Damas da Instrução Cristã, congregação presente no Brasil desde 15 de outubro de 1896.

A religiosa também desenvolveu um efetivo trabalho entre os indígenas, a partir do final da década de 1980, quando retornou ao lugar das aparições marianas. Junto com lideranças locais, promoveu atividades no modelo de oficinas, cursos e orientações profissionais para a formação de parte do povo Xucuru da Serra do Ororubá. Os projetos foram fundamentais para a preservação e valorização dos espaços devocionais relacionados a Nossa Senhora da Graça, localizado em um reserva indígena, reconhecida pelo governo brasileiro.

Irmã Adélia entre os índios Xucurus de Pesqueira – PE / Fonte: Acervo documental da Comissão Histórica e Arquivística do Processo de Beatificação e Canonização

Como forma de provação, para evitar o assédio de fiéis, eclesiásticos e os atritos com alguns grupos de críticos, no início da sua vida religiosa a Irmã Adélia foi orientada por seus superiores a manter o silêncio em relação as suas experiências em Pesqueira. As determinações também seguiam as orientações da legislação da Igreja Católica, que sempre manteve cautela sobre os seus posicionamentos em relação a um tema tão importante. Mesmo assim, a vida da freira continuou marcada pelas visões, mas com discrição, amplo trabalho de valorização da fé e a fama de santidade em relação a curas milagrosas de diferentes indivíduos.

Devido ao processo devocional construído na Vila de Cimbres, a dedicação à caridade e os relatos de santidade, a Diocese de Pesqueira promoveu a abertura do Processo de Beatificação e Canonização da religiosa. Como disse o Cardeal Angelo Amato, ex-prefeito da Congregação das Causas dos Santos, esses personagens “se revelam como os mais convincentes tradutores do Evangelho que eles interpretam na linguagem concreta da caridade, compreensível a todos”. É importante destacar que mesmo que a personagem esteja sendo submetida a um rito de legitimação devocional, muitos fiéis já lhe atribuem santidade e sentido devocional ao lugar das aparições. Os trabalhos desenvolvidos pelos integrantes das comissões envolvidas no processo também estão direcionados as orientações do Cardeal Joseph Ratzinger, que chamou atenção para a necessidade de se perceber se os eventos visionários realmente refletiam as palavras de Maria, “[…] ou não serão talvez apenas projecções do mundo interior de crianças, crescidas num ambiente de profunda piedade, mas simultaneamente assustadas pelas tempestades que ameaçavam o seu tempo?” Sendo assim, a partir de um longo e burocrático trabalho arquivístico, de pesquisa, compreensão da legislação eclesiástica e debates teológicos, composto por uma equipe com diferentes profissionais, a Irmã Adélia poderá se tornar a primeira Santa nascida em Pernambuco.

*Frade capuchinho Jociel João Gomes da Silva é Postulador do Processo de Beatificação e Canonização. Carlos André Silva de Moura é docente da Universidade de Pernambuco e presidente da Comissão Histórica e Arquivística do Processo de Beatificação e Canonização da Irmã Adélia Carvalho