IV Domingo da Páscoa: Jo 10,27-30 – Nas mãos do Bom Pastor, nada a temer!

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
 
Todos os anos no IV Domingo da Páscoa, o Domingo do Bom Pastor, a Igreja celebra o Dia Mundial de Oração pelas Vocações; o saudoso Papa Francisco, ainda hospitalizado (19.03.2025), escreveu na sua última mensagem para essa ocasião: “Neste LXII Dia Mundial de Oração pelas Vocações, desejo dirigir-vos um alegre e encorajador convite a serdes peregrinos de esperança, doando generosamente a vida. A vocação é um dom precioso que Deus semeia nos corações, um chamado a sair de si mesmo para trilhar um caminho de amor e serviço”. Quem poderia imaginar que com essas palavras simples e profundas, o papa já estaria se despedindo de nós, deixando-nos um forte convite a continuarmos o nosso caminho vocacional como peregrinos de esperança, vivendo de forma generosa a nossa vocação.
Como não ouvir nessas suas palavras: “Sair de si mesmos para trilhar um caminho de amor e serviço”, um apelo a seguir a voz do Bom Pastor? 
O trecho do evangelho de hoje inicia justamente com essa afirmação de Jesus: “As minhas ovelhas escutam a minha voz e as conheço e elas me seguem”. A necessidade de escutar a voz de Jesus é imprescindível para não se deixar confundir por outras vozes, que apesar de muitas vezes serem atraentes, na verdade, conduzem à perdição e à morte. Não é possível seguir o Bom Pastor se não se escuta a sua voz; escutar (grego: akouo) é a condição para tornar-se discípulo, e o seguimento (grego: akoloutheo, seguir) é a prova testemunhal de uma autêntica e coerente escuta. Escutar não é uma atividade passiva, mas desperta em nós o desejo de aprender, aguça os ouvidos do nosso coração para tomar decisões; já no Antigo Testamento o apelo da Palavra de Deus era justamente o “Escuta, Israel” (Shemá). O discípulo fiel é aquele que a cada dia faz a experiência do profeta Isaías: “De manhã em manhã Ele me desperta, sim, desperta o meu ouvido para que eu ouça como os discípulos” (50,4).
Mesmo lendo apenas a parte conclusiva desse longo discurso do Bom Pastor (10,27-30), devemos ter presente todo o ensinamento de Jesus (10,1-30), cujo tema central é a vida em plenitude, isto é, a vida eterna, pois essa é a sua missão: “O Pai amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).   
A metáfora do pastor já era bem conhecida no Antigo Testamento e aplicá-la a Deus fazia parte do ensinamento profético e sapiencial (Sl 22; 99; Is Jr 23,1; Ez 34; Mq 2,12-13). Jesus se apresentando como Bom Pastor proclama que Deus cumpre a sua promessa de enviar pastores segundo o seu coração (Jr 3,15); contudo, Jesus não é mais um entre outros pastores enviados por Deus, Ele é o próprio Filho de Deus que pastoreia o rebanho do seu Pai, e, portanto, o faz em plena e perfeita comunhão com ele: “Eu e o Pai somos um” (o numeral aqui está no gênero neutro: en, que não tem conotação de quantidade, mas de qualidade de relacionamento, portanto, unidade). 
Jesus conhece as suas ovelhas, isto é, sabe do que elas necessitam (“Eu lhes dou vida eterna”), pois o conhecimento (grego: ginosko) não se reduz a informações sobre alguma coisa, mas implica proximidade e união, e se obtém por meio de uma práxis.    
Ninguém vai arrancá-las de minha mão… nem da mão do Pai”. Jesus sublinha um aspecto que, até então, não tinha aparecido na sua fala, isto é, tanto o Pai como Ele têm as ovelhas em suas mãos e ninguém poderá arrebatá-las (grego: harpázo, levar violentamente para longe). Os falsos pastores agem arrebatando para longe as ovelhas quando as afastam de Deus (ideologias materialistas), quando as afastam do semelhante (cultura individualista) e quando as afastam da própria consciência do que são, negando as verdades fundamentais da vida (relativismo ético).  
“Ter nas mãos”, nas Sagradas Escrituras, significa ter o domínio sobre alguém ou alguma coisa e inumeráveis vezes se diz isso de Deus, sobretudo quando se trata da sua intervenção no Êxodo: “E fez sair Israel do meio deles, com mão forte e braço estendido” (Sl 135,11). Portanto, a missão de Jesus como Pastor não é apenas conduzir as ovelhas para prados verdejantes ou águas tranquilas, mas colocar a sua vida a serviço do rebanho: “O Bom Pastor dá (grego: tithemi, colocar à disposição) a vida pelas ovelhas” (Jo 10,11), para libertá-las a fim de que “tenham vida, e vida em abundância” (Jo 10,10). Ainda que para cumprir esta missão exija-se perder a vida, esta vida dada pelo rebanho é verdadeira entrega: “Ninguém arrebata a minha vida, mas eu a dou livremente” (Jo 10,18). 
Diferentemente dos outros pastores que mesmo agindo com solicitude conduziam seus rebanhos aos prados e às fontes, Jesus mesmo é o caminho e caminha à frente de suas ovelhas (Jo 10,4.6); Ele não procura alimento para suas ovelhas, Ele mesmo é o seu alimento: “Minha carne é verdadeira comida, o meu sangue é verdadeira bebida” (Jo 6,55), que não restaura simplesmente as energias físicas, mas concede vida plena ao seu rebanho: “Eu lhes dou a vida eterna e elas jamais perecerão”. Se os pastores necessitavam de bastão para defender as ovelhas e cajado para apoiar-se, o Bom Pastor recebeu do Pai todo o necessário para impedir que as ovelhas fossem arrebatadas de suas mãos: “Meu Pai, que me deu tudo é maior que todos”, pois este é projeto de Deus: “Colocar tudo em suas mãos, pois viera de Deus e a Deus voltava” (Jo 13,3), diferentemente do agir dos falsos pastores que têm no coração apenas o projeto mercenário (Judas Iscariotes) que os faz traidores do rebanho: “Vendo o lobo chegar, abandona as ovelhas e vai para longe”. Estes se associam, portanto, aos ladrões do rebanho que “vêm só para roubar, matar e destruir” (Jo 10,10).    
Aqueles pastores, mesmo cuidando bem de suas ovelhas, protegendo-as, inclusive arriscando a sua própria vida, um dia terão de levá-las para o matadouro. No entanto, o Pastor Jesus é o único a impedir que suas ovelhas atravessem a porta da morte, pois Ele mesmo se fez cordeiro para morrer no lugar delas a fim de congregá-las num só rebanho: “É de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda…Profetizou que Jesus iria morrer para congregar na unidade todos os filhos de Deus dispersos” (Jo 11,51-52).
 Vocacionados a seguir o Bom Pastor que deu a sua vida, somos chamados ao serviço. O seu rebanho é de servidores da vida; esta é a maior prova de que são seus autênticos seguidores, pois escutam a sua voz e não se deixam arrebatar das suas mãos. Como nos lembrou o Papa Francisco na sua mensagem para este dia, a nossa vocação deve ser vivida generosamente como entrega de amor no serviço. O Bom Pastor vai à nossa frente, estamos nas suas mãos e no seu coração, e com Ele somos um.
 
 
Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana