Leigos falam da participação nas políticas públicas como exercício concreto de caridade


 


 


Leigos falam da participação nas políticas públicas como exercício concreto de caridade


Os três representantes leigos de diferentes organismos e pastorais da Igreja no Brasil que participaram da Cerimônia de Lançamento da Campanha da Fraternidade (CF) 2019 na quarta-feira, 6/3, exercem o que papa Francisco, em mensagem enviada à Igreja no Brasil, chamou de participação como forma concreta de amor ao próximo.


O médico cardiologista, Geniberto Paiva Campos é um deles. Leigo católico deste o papado de João XXIII, ele é membro instituidor do Observatório de Saúde do Distrito Federal. Segundo ele, recuperando o processo histórico de construção das políticas públicas, antes do modelo de “Estado de Bem Estar Social” introduzido pelo governo de Bismark, na Alemanha, só existia a ideia de caridade. “Esta caridade foi por muito tempo uma ação essencialmente privada e muitas vezes tinha o apoio, em forma de subsídio, do Estado e da própria Igreja”, disse.


Só no século XIV, segundo ele, pelo trabalho de uma socióloga portuguesa Maria Antônia Lopes, é que a pobreza finalmente foi considerada um problema de ordem pública. “A caridade passou a se constituir a resposta social perene do crescente problema da pobreza ainda nas economias pré-industriais”, disse. Esse fenômeno, segundo ele, tomou expressão nas Santas Casas de Misericórdia.


O médico informou que foi na Alemanha que surgiu o Seguro Doença em 1883, o Seguro de Acidente do Trabalho, no ano seguinte, e o Seguro de Invalidez e Velhice em 1889, prenunciando o que viria a ser conhecido como “Sistema de Previdência Social”. Posteriormente, segundo ele, na Inglaterra entre 1897 e 1908, erigiu-se o Sistema Inglês de Previdência e o Serviço Nacional de Saúde com o qual o Brasil precisa aprender muito em sua avaliação. Para ele, a reforma da previdência que já vem discutida desde o governo anterior, pode ser um retorno ao século XIX e representar perca de direitos aos trabalhadores.


“O tema da CF deste ano é apropriado para que se possa discutir num nível mais elevado a defesa das populações que estão bastante ameaçadas de ter o corte nos seus direitos básicos”, reforçou.


Amor ao próximo – A Vânia Lúcia Ferreira Leite, líder da Pastoral da Criança, representa Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no Conselho Nacional de Saúde. “Para nós católicos, a Campanha da Fraternidade é um chamamento do exercício do amor ao próximo, à fraternidade e à solidariedade”, disse.


Em sua fala na abertura da CF 2019, ela reforçou a ideia de que muitos cristãos têm dificuldade de transformar o apelo da participação em ação concreta. Como um caminho possível, ela convidou os cristãos a participarem do processo da 16ª Conferência Nacional de Saúde, cujas etapas locais estão acontecendo de janeiro a abril deste ano.


“Em 2019, podemos contribuir diretamente com a melhoria das políticas públicas e em especial participando deste processo”, disse. A conferência de saúde deste ano vai tratar do tema “Democracia e Saúde” focando na consolidação dos princípios e no financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS).


O SUS, em sua avaliação, construído com um grande esforço do Movimento da Reforma Sanitária e da sociedade civil organizada, responsável pelo atendimento de 75% da população brasileira, com a aprovação das Emendas Constitucionais a 86 e a 95, que impõem gastos orçamentários,  passa por um processo de fragilização.


Outro caminho de participação apontado pela Vânia é a participação em conselhos. “Destaco aqui a importância da participação popular por meio dos conselhos na formulação e aplicação de políticas públicas no âmbito local, permitindo a interação entre a sociedade civil e Estado, proporcionando uma maior proximidade entre cidadãos e seus gestores locais. Com isto, haverá maior transparência na administração pública local por meio da co-gestão”.


A representante da Pastoral da Criança destacou que participação é um direito democrático e sua realização prática contribui para fortalecer e consolidar a “frágil democracia” brasileira.


Retrocessos nas políticas públicas – Para o secretário-adjunto do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), professor Gilberto Vieira dos Santos, pensar e refletir sobre as políticas públicas, este ano, é pensar também a partir dos retrocessos que nós sentimos nos últimos anos. “A Emenda Constitucional 95 impõe alguns retrocessos para implementação nas políticas públicas”, disse.


O representante do CIMI lembrou que há um déficit de 503 terras indígenas que ainda não foram demarcadas. “Pensar a política pública para estes povos é pensar a partir do reconhecimento e da efetivação de seus direitos territoriais”, afirmou.


Para o professor Gilberto, só a participação dos cidadãos no processo das política públicas é que vai fazer com que elas efetivamente venham à luz e se efetivem. “A participação se dá a partir do conhecimento do que são estas políticas públicas, quais são seus processos históricos e do momento que assumirmos como cristãos e cristãs o desafio de fazer com que elas cheguem aos mais pobres e aos que mais necessitam”, concluiu.