Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
A Solenidade de Pentecostes na sua riqueza de significado não pode ser considerada uma celebração de conclusão. Ainda que digamos, de maneira justa, que a hodierna celebração encerre o tempo pascal, isto não significa que chegamos ao fim de rota; pelo contrário, o Espírito Santo derramado abundantemente sobre a Igreja, a renova na missão dando-lhe sempre novo impulso.
O evangelista São João, inspirado pelo Espírito Santo, narrou os últimos acontecimentos (paixão-morte-ressurreição-dom do Espírito) evidenciando a íntima relação existente entre eles, seguindo uma lógica diferente do nosso modo de pensar (linear: as coisas acontecem numa sequência cronológica). Mais do que numa sucessão de fatos, o IV evangelho demonstra que cada acontecimento retoma o anterior ou se complementa no seguinte. Portanto, não podemos compreender o evangelho de hoje, sobretudo o dom do Espírito Santo dado aos discípulos no cenáculo, se não nos dirigirmos ao calvário no momento da morte de Jesus.
Jesus no alto da cruz inclina a cabeça e entrega o espírito (grego: parédoken to pneuma); no cenáculo, sopra sobre os discípulos e diz: “Recebei o Espírito Santo” (grego: lambanete pneuma hagion). Dois verbos que se correspondem, pois um sem o outro deixaria a ação incompleta: pois aquele que entrega, espera que seja recibo aquilo que entregou.
Na sua paixão-morte, Jesus entregou tudo (suas vestes: poder-serviço; sua mãe: comunidade; seu espírito: vida plena), na ressurreição-pentecostes a Igreja é chamada a receber todos esses dons que garantem a verdadeira paz e fortalecem para a missão. O espaço cronológico que se verificou entre o Pentecostes iniciado na cruz, confirmado na ressurreição e plenificado cinquenta dias depois, não indica uma ação limitada de Deus, mas a sua paciência amorosa que respeita o nosso ritmo, pois não quer que nos percamos na pressa que gera superficialidade, mas que mergulhemos na contemplação do mistério do seu amor para produzirmos frutos que permaneçam para a vida eterna (cf. Jo 15,16). Esta é a pedagogia divina, criou o tempo para termos tempo de nos prepararmos para a eternidade.
Pentecostes, como também a Páscoa, era uma das principais festas do povo Judeu; festa agrícola chamada “Festa da Colheita” (Qâsir Ex 23,16), ou “Festa das Semanas” (Shâbû´ot) ou ainda “Festa das Primícias” (Bikkûrim: Nm 28,26) e durava sete semanas, por isso se concluía no quinquagésimo dia (he pentecoste). Contudo, o ressignificado mais importante a relaciona com a história religiosa do povo chegando a ser a festa da renovação da aliança no monte Sinai (Ex 12). Tal ocasião tornou-se muito propícia para a experiência cristã: aliança agora como dom do Espírito nos corações e não apenas uma Lei escrita em pedras, cumprindo assim a promessa de Jesus de enviar aquele que conduzirá todos à verdade (cf. Jo 16,13), constituindo o povo da Nova Aliança, a Igreja.
O encontro de Jesus com os discípulos no cenáculo na noite do primeiro dia da semana (dom do espírito confirmado) inaugura o tempo de preparação para o terceiro momento que é o Pentecostes plenificado; é tempo de recolhimento, de permanecer no cenáculo, para aprofundar os ensinamentos de Jesus (40 dias) e assim estarem aptos para o derramamento do Espírito Santo, a fim de que a Igreja gerada nasça, assumindo assim a sua missão no mundo; para isso, é preciso que as portas do cenáculo se abram sob o influxo do vento impetuoso.
Jesus, no evangelho de hoje, recupera a paz que os discípulos haviam perdido diante da morte chocante do Mestre, como Ele mesmo profetizara: “Ferirei o pastor e as ovelhas se dispersarão” (Mt 26,31). Contudo, não é qualquer saudação de paz, expressão de um desejo emocionado, mas é, antes de tudo, o dom fruto da sua morte: “Mostrou-lhes as mãos e o lado”; provas inconfundíveis de que aquele que lhes apareceu é o mesmo que fora crucificado. A paz não é fruto de caminhadas reivindicatórias com gritos de ordem na ilusão de efeitos mágicos, mas brota de um coração que continua a amar mesmo ferido, e de mãos que a constroem ainda que tenham que pagar um altíssimo preço banhando-as de suor e sangue.
Recuperada a verdadeira paz, não há outro sentimento senão a alegria: “Os discípulos se alegraram por verem o Senhor”. Como a verdadeira paz é mais do que um desejo, a verdadeira alegria é resultado do encontro com o Senhor, pois é a sua alegria que nos alcança, caso contrário será apenas uma sensação hilariante passageira.
“Novamente, Jesus disse: ‘A paz esteja convosco”, a repetição não indica desconfiança, mas testemunha a sua veracidade e gera convicção em quem a recebe. A paz de Jesus se diferencia do modo como o mundo a oferece (cf. Jo 14,27), pois no máximo, o mundo a deseja, mas não é capaz de construí-la, pois investe-se mais na construção de armas e se promove mais a guerra.
Os discípulos podem permanecer em paz, pois foram reconciliados com o Mestre, ao qual abandonaram, mas Ele não os abandonou e os quer de novo consigo na missão: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. Mas não os envia aleatoriamente, por isso lhes dá uma direção: “Soprou sobre eles”. O soprou de Jesus na cruz foi entrega, o sopro de Jesus no cenáculo foi força que impulsiona e direciona para a missão, isto é, entregar-se.
Paz, Alegria, Missão, Espírito Santo e Perdão, poderíamos dizer que são os frutos da morte-ressurreição de Jesus. Contudo, o Espírito Santo é mais do que um dom, Ele é o doador dos dons.
Celebrar a Solenidade de Pentecostes é acolher o Doador dos dons, pois sem Ele nenhum dom é concedido e recebido; somos demasiadamente pequenos e fracos para receber grandiosos dons, mas Ele vem socorrer a nossa fraqueza e nos sustentar na missão. Pentecostes nos ensina que estamos a caminho; nada está concluído, a não ser a missão de Jesus, como Ele mesmo declarou no calvário: “Tudo está consumado”, e que foi confirmado no cenáculo quando confiou a missão aos seus discípulos: “Como Pai me enviou, eu vos envio”. Revestir-se da força do alto é tornar-se capaz de receber do Espírito o que já foi dado pelo Filho.

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana