Se não vos converterdes…




     O Tempo da Quaresma é de conversão. A palavra, o conceito e a atitude são vitais. Por isso, há repetição e insistência no tema. Em certos ambientes, porém, o termo se tornou corriqueiro e banalizado e desgastado. Provavelmente, foi reduzido a quem troca de religião e de Igreja ou aplicado, de modo simplório, a quem mudou certos comportamentos inadequados. O termo é domesticado por tal compreensão moralizante. Sublime é chamar de convertidos aqueles que se tornam cristãos católicos, advindos de outra tradição religiosa, do ateísmo ou do indiferentismo.


    A Quaresma favorece a retomada do sentido original, indo às fontes bíblicas para que se releve a conversão com toda sua beleza e provocação. O profeta Joel, entre outros, transmite-a no apelo insistente e vital da parte do próprio Deus: “Volta para mim com todo o vosso coração” (Jl 2, 12). O convite-chamado é feito pelo Deus da aliança de amor a Israel para que ouça e tome atitude. Jesus, desde o início da pregação sobre o Reino, convida com insistência profética: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (M 1, 15) que é Ele mesmo. São Paulo suplica: “Deixai-vos reconciliar com Deus” (2 Cor 5,20).


    Sem deixar de ser admoestação, o apelo à conversão é, sobretudo, insistência na renovação da vida. Exige purificação e gestos mortificantes de renúncia e atitudes empenhadoras de superação.  Estimula a liberdade e a decisão do sim, no retorno ao amor misericordioso de Deus. Dizer não à mudança no modo de viver pode levar à morte, isto é, à destruição da vida boa e digna e justa, e à perda da eternidade feliz. Entende-se a sentença do Mestre: “se não vos converterdes, perecereis…”


   Trazem a Jesus más notícias e impactantes. Pilatos havia matado galileus cujo sangue foi misturado com o dos sacrifícios (Lc 13, 1). A intervenção violenta e cruel da autoridade sugeriu o convite à conversão e ao arrependimento. “… se não vos converterdes, perecereis do mesmo modo” (v. 3). A queda da torre de Siloé também havia matado pessoas que “não eram as mais culpadas” (v. 4). No entanto, Jesus repete o ensinamento: “ se não vos converterdes, perecereis do mesmo modo (v. 5). Adverte e apela à conversão que gera a vida nova.


   Para ilustrar o valor da conversão que leva à existência produtiva, o Mestre narra a parábola da figueira plantada na vinha. Não dando frutos há três anos, deveria ser cortada. Inutilizava a terra. O vinhateiro, porém, disse ao proprietário da vinha: Deixa ainda este ano. Vou cavar…colocar adubo. Pode ser que dê fruto, se não, corta-a (v. 7-9).


    Certa vez, um homem ouviu esta parábola e confessou: eu sou este homem inútil, pois não dou frutos para Jesus, para a Igreja e o mundo. Mudou de vida. Renovou os compromissos batismais. Não foi movido pelo medo, simbolizado pela ameaça de ser cortado, mas pelo apelo embutido na esperança: pode ser que venha a dar fruto. Entretanto, precisou que alguém adubasse sua decisão. A Quaresma aduba!


   Se a beleza da conversão requer a liberdade ativa e serena que implica na decisão, supõe igualmente a paciência divina que aguarda o momento humano. O instante da graça nos é desconhecido, mas quando é vitoriosa, opera a decisão livre do homem desde sua interioridade. Esta se vê pela mudança e a renovação do modo de viver. A conversão é visível e progressiva.


   A Igreja sempre reza pela conversão dos pecadores a fim de que sejam tocados pela graça do Espírito e, no mesmo Espírito, se disponham a produzir frutos. Rezemos, pois, uns pelos outros porque converter-se é também abraçar o melhor, saindo da mesmice, e alçando voos de maior empenho de generosidade, de interioridade, de gratuidade…conforme as moções do mesmo Espírito.