Solenidade da Santíssima Trindade – (Jo 16,12-15): Deus único, mas não solitário

A Solenidade da Santíssima Trindade não pretende nos favorecer uma ocasião para tentativas de explicação do Mistério do Deus que é Uno e Trino; a verdade relevada pelo Filho e confirmada pelo Espírito Santo é, sem dúvida, manifestação da vontade do Pai para a nossa salvação. A Palavra de Deus proclamada na liturgia de hoje (Ano C) nos apresenta a “revelação do Mistério Trinitário a fim de que os homens conheçam vitalmente a verdade. Na 1ª. Leitura, a Sabedoria revela a sua origem, a sua participação ativa na obra da criação e a função de conduzir os homens a Deus. Será, porém, o Espírito concedido por Cristo, o Espírito da verdade, que guiará os homens à verdade completa. Isso é proclamado no Evangelho, onde aparece que a revelação é única, embora seja obra das três pessoas divinas; a sua fonte está no Pai, realiza-se no Filho e cumpre-se nos fiéis por obra do Espírito Santo” (A. Bergamini, Cristo Festa da Igreja, pág. 428).

Quando nos referimos a Deus, é muito comum afirmarmos que estamos diante de um mistério inefável e, por ser tão grande, não conseguimos abarcá-lo com a nossa mente e transformá-lo em um objeto suscetível de explicações. Por outro lado, reconhecemos que Ele se deixa encontrar, pois quis se revelar e, portanto, nos permite conhecê-lo, ainda que não plenamente. Assim como uma obra de arte remete automaticamente ao seu autor, toda a obra da criação nos impulsiona a nos perguntarmos sobre o seu criador. Seria uma ofensa à inteligência humana negar-lhe essa sua busca natural e honesta que indica uma necessidade intrínseca à própria natureza do ser humano que é capaz de se perguntar sobre o sentido do que ele é e de tudo que encontra na sua existência.

Não por limitação sua, mas para respeitar o nosso ritmo, Deus pacientemente tem se revelado ao longo da história. Os seus grandiosos feitos no Antigo Testamento, obra de suas mãos e de sua Palavra eterna, se assemelham ao raiar da luz que prenuncia o aparecimento do sol em toda a sua pujança; em Cristo a revelação alcança seu ponto mais alto.

No evangelho de hoje Jesus afirma: “Não sois capazes de as compreender agora”. Em que consiste essa incapacidade? Se tomarmos uma tradução mais próxima do texto grego (ou dynasthe bastádzeiv: “não podeis suportar”, levantar, levar adiante) vamos perceber que a incapacidade não diz respeito apenas à compreensão do que Jesus tem a falar, mas evidencia a impotência de os discípulos por si mesmos de realizarem o que o Mestre ensinou e praticou. S. João utiliza o mesmo verbo quando Jesus é condenado à morte e deve levar a cruz (bastádzon heauto tov stauron: carregando ele próprio a cruz). Certamente a compreensão teórica dos ensinamentos de Jesus nem sempre é fácil, porém Jesus está falando da impotência de os discípulos viverem o seu ensinamento, pois sem a força do alto não serão capazes nem de compreender e muito menos de seguir o Mestre até a cruz, e dar a vida por Ele, prova máxima de quem ama.

  1. Paulo compreendeu muito bem essa incapacidade e por isso afirma: “O Espírito vem socorrer a nossa fraqueza” (Rm 8,26). Por mais talentos e capacidades humanas que alguém possa ter, nunca será suficientemente capaz de realizar a missão confiada pelo Mestre. Sem a presença do Espírito Santo que fortalece, todos os esforços puramente humanos estão fadados ao fracasso.

Jesus anuncia a missão do Espírito da Verdade: “Ele vos conduzirá à plena verdade”. O tema da verdade perpassa todo o IV Evangelho e, diferentemente da compreensão habitual, a verdade não é simplesmente a correspondência entre uma ideia e a realidade constatável por meio de procedimento racional. A verdade no Evangelho é, antes de tudo, a realidade divina que se manifesta e se dá a conhecer ao ser humano que a busca com honestidade. Mais uma vez nos deparamos com o Mistério de Deus, mas que se revela. E a grande verdade de Deus se manifesta no seu amor. Ele não quer simplesmente nos comunicar ideias sobre o seu amor; Ele nos ama e por isso quer que conheçamos essa verdade fazendo a experiência de sermos amados.

Jesus ao revelar ser a verdade (cf. Jo 14,6), pois nele habita a realidade divina, manifesta o amor de Deus para com a humanidade e não apenas revela quem é Deus, mas também quem é o ser humano (GS 22). Na cruz a verdade transpareceu sem ambiguidades, pois na entrega do Filho, o Pai provou que nos ama (cf. Jo 3,16). Contudo, conhecer a verdade do amor do Pai é conhecer o Filho; aproximar-se da verdade só se torna possível numa atitude de fé, pois essa é a condição para fazer a experiência da vida no Espírito da verdade; sem o conhecimento e adesão à palavra do Filho (Jo 8,31) viveremos no erro, seremos mais suscetíveis a crer na mentira e recair na escravidão do pecado.

Estamos vivendo numa sociedade que de forma orquestrada foi convencida a crer na mentira propagada por muitas ideologias, sobretudo aquelas que relativizam os verdadeiros valores como a vida, a família, a dignidade humana, a fé etc. A doutrinação ateísta-materialista que se alastra nos mais variados ambientes da sociedade provoca uma das maiores escravidões do espírito humano, isto é, não apenas impedem as pessoas de se aproximarem da verdade, mas a negam. A grande contradição desses movimentos ideológicos que negam a verdade está justamente no afirmar de forma absoluta que não existe verdade, a não ser aquela única verdade que admitem: o conjunto de mentiras que propagam e impõem às pessoas, privando-as de qualquer questionamento que possa ameaçar tal sistema.

Professar a fé na Trindade não é apenas aderir a uma formação dogmática aceita por um grupo religioso; crer na Trindade é encontrar-se com a verdade do ser humano, criado à sua imagem e semelhança, chamado a realizar a sua mais alta vocação que é ser pessoa relacionando-se com pessoas. Acreditar na Trindade é reconhecer que isolados no nosso egocentrismo nos desumanizamos, ferimos a essência de nossa natureza e destruímos o que temos de mais belo na nossa existência: refletir a imagem do Deus que nos criou, amou e salvou.

Mais do que nunca, precisamos pedir ao Pai, em nome do seu Filho, que nos envie o Espírito da verdade para que possamos alcançar a liberdade verdadeira que nos tira das amarras das mentiras destruidoras presentes na sociedade hodierna. Portanto, conhecendo a verdade do amor da Trindade, poderemos glorificar o Pai, pois somos o seu povo, glorificar o Filho, pois somos membros do seu corpo, e glorificar o Espírito Santo, pois somos o seu templo vivo.

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana