VI Domingo da Páscoa: Jo 14,23-29 – Quando se ama, alcança-se a paz.

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
 
O evangelho de hoje, um trecho extraído do longo discurso de despedida de Jesus (Jo 13-17), apresenta uma síntese de toda a sua vida e, ao mesmo tempo, anuncia os preciosos dons da sua morte e ressurreição que serão dados aos seus discípulos a fim de que continuem a sua missão, como ouvimos no domingo passado: “Amai-vos como eu vos amei” (13,34). Os discursos chamados de “despedida” de Jesus não são palavras de alguém que está para ir embora, abandonando os seus companheiros, deixando a impressão de não ter concluído algo com sucesso. Pelo contrário, são palavras que abrem expectativas e perspectivas, pois anunciam uma continuidade, ainda que de maneira inaudita e totalmente nova. A proximidade da morte do Mestre, o clima de tensão e de medo que sobrevém aos discípulos, pode parecer um abeirar-se do desespero. Jesus está consciente disso, e por isso Ele dissera um pouco antes: “Não se perturbe o vosso coração”, e para que o coração dos discípulos superasse esse crucial momento, continuou: “Credes em Deus, crede também em mim” (Jo 14,1).
Contudo, o momento de angústia e incertezas que os discípulos estão vivendo será superado; Jesus compara esse momento à situação de uma mulher que está para dar à luz; se angustia e sofre, mas quando vê o filho nascer, prova uma alegria tão grande que a faz esquecer de todo o sofrimento (cf. Jo 16,21). Só há uma maneira de superar o medo da perda: reafirmando o amor que nem deixa morrer nem permite a ausência. Amar é permanecer, amar é crer na fidelidade que garante a presença.   
Se alguém me ama, guardará minha palavra”: o amor não se impõe, mas quando é verdadeiro, assume compromisso; não é um sentimento fugaz, mas um empenho que favorece relacionamento profundo, perseverante e fiel. Guardar a palavra (grego: tereo, perseverar) é mais do que uma atividade mental, teórica, mas implica conservá-la interiormente, como uma semente que escondida na terra, germina, cresce e dá frutos. Amar a Jesus é a condição fundamental para aderir à sua palavra, assumi-la na vida e tornar-se seu discípulo. 
E meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada”: estamos diante de um grande mistério da revelação cristã: Deus habitando em nós. Pois até então, a divindade habitava nos céus e cabia ao ser humano a tarefa de elevar-se para ir ao seu encontro. A experiência religiosa pré-cristã ou não cristã se caracteriza justamente por esse movimento ascendente de busca da divindade, esforço moral para alcançar a perfeição e aproximar-se de Deus, rigorismo ritual para aplacar os deuses e receber deles favores. Porém, Jesus, o Deus que se fez carne e armou a sua tenda entre (em) nós (Jo 1,14), inaugurou o definitivo movimento do encontro do Criador com a criatura, do humano com o divino. Em Jesus e com Ele, o próprio Deus vem ao encontro do ser humano incapaz de chegar até Ele por si mesmo. Porém, este caminho descendente é feito por amor: “Deus amou tanto o mundo que enviou o seu Filho ao mundo” (Jo 3,16), e nos alcança se, também, o amarmos. 
Neste movimento atua de modo especial, em comunhão com o Pai e o Filho, o Espírito Santo, chamado o paráclito (grego: paracletos, advogado, defensor, ajudador), cuja missão é recordar tudo o que Jesus ensinou e levar a todo o conhecimento. Em outras palavras, o Espírito Santo ilumina a compreensão da missão de Jesus e fortalece os discípulos no testemunho, garantindo assim a continuidade da missão de Jesus na Igreja. Não existe uma novidade na ação do Espírito que crie ruptura com a missão de Jesus. Como também não se pode conceber a atuação do Espírito como mera repetição do que Jesus fez. Mas o Espírito prolonga no tempo e na história a obra salvífica do Pai realizada pelo Filho. O Espírito Santo não pode contradizer o ensinamento do Filho nem muito menos promover a destruição da obra do Pai. 
Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo”. Ainda que no momentos dessas palavras, não tinha sido concluída a missão do Filho com sua morte e ressurreição, cujos dons fundamentais são a Paz, o Espírito Santo, a Missão e o Perdão, Jesus os antecipa em promessa, a fim de ajudar os seus discípulos na superação da perturbação do coração por conta do momento vivido; os evangelhos sinóticos apresentam algo parecido no episódio da Transfiguração, quando Jesus transfigurado manifesta a glória da sua ressurreição enquanto se encaminha para Jerusalém onde passará pela morte. Também nesse momento Jesus concede uma “ajuda” antecipada em vista do grande impacto que os discípulos sofrerão por conta da sua morte. 
O conceito de “paz” (hebraico: Shalom; grego: eirene) é bastante complexo e rico na tradição bíblica, contudo, é importante evidenciar uma importante qualificação que Jesus faz: “a minha”. Neste trecho Jesus qualifica como seus: as Palavras, o Pai e a Paz. Portanto, não é simplesmente uma sensação prazerosa de sossego, ou uma experiência de tranquilidade por conta de ausência de conflitos, nem muito menos atitude de indiferença frente à vida. A paz que Jesus deixa é fruto da sua morte e ressurreição: “Paz a vós… mostrou-lhe as mãos e o lado” (Jo 20,19.20). 
De maneira muito significativa, o Papa Leão XIV fez a sua primeira saudação justamente com essas palavras do Ressuscitado. Sem dúvida, o nosso mundo necessita urgentemente da paz, porém essa não chegará de qualquer lugar ou de qualquer circunstância, fruto de negociações humanas ou estratégias governamentais. Só no Ressuscitado poderemos encontrar a verdadeira paz.   
Se o mundo oferece uma paz garantida artificialmente pela ausência de conflitos ou provocando sensações de bem-estar e tranquilidade por força de sedativos, Jesus é o único que nos dá a verdadeira paz, fruto de uma batalha travada na cruz, cujas armas são o perdão-reconciliação e o amor-doação. Recusar o perdão e ceder ao ódio nos fazem perder a paz. Sem fidelidade à Palavra de Jesus, nos deixaremos iludir por promessas enganadoras de paz. Sem acreditar que o amor do Pai nos deu o seu Filho e nos fez seus filhos, viveremos sempre com o coração perturbado, solitários, desesperados e jamais encontraremos a paz.  Sem nos abrirmos à ação do Espírito Santo, o nosso Defensor, não conheceremos a verdade revelada pelo Filho e, por conseguinte, não seremos conduzidos à verdadeira vida, sucumbindo às piores escravidões de nosso tempo sustentadas por ideologias materialistas e ateias que deformam a verdade do ser humano, da criação e dos reais valores.
O tempo pedagógico da Páscoa se encaminha para uma conclusão, porém o Cristo Ressuscitado, através do seu Espírito que nos faz compreender a sua Palavra, continua a manifestar o seu amor redentor, e nos convida a segui-lo e amá-lo, reconhecendo a sua presença permanente entre nós, fazendo-nos morada da Trindade.
Amar a Jesus, que nos revela que o Pai nos ama, é deixar-se conduzir pelo Espírito e encontrar a verdadeira paz, plenitude dos bens, isto é, o céu em nós de forma antecipada, a fim de nos preparar para encontrá-lo definitivamente na eternidade.
 
 
Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana