O evangelho de hoje nos apresenta o ensinamento de Jesus sobre a fé sustentada pela oração. Ainda que a parábola tenha sido introduzida pela justificativa: “mostrar-lhe a necessidade de rezar sempre, e sem nunca desistir”, o seu ápice é o desafio de perseverar na fé: “Mas o Filho do homem, quando vier, será que vai encontrar fé sobre a terra?” Oração e fé estão intimamente relacionadas, a ponto de uma ficar ameaçada na ausência da outra. A fé é um dom de Deus que nos dá a capacidade de crer; na oração, a pessoa cresce na consciência e no compromisso diante do dom recebido; rezando se busca iluminação para compreender com profundidade a capacidade de confiar e, consequentemente, a necessidade de testemunhar pelas atitudes aquilo que professa crer.
A primeira leitura de hoje (Ex 17,8-13) evidencia as características fundamentais da oração judaico-cristã, isto é, a oração é sempre acompanhada de gestos-atitudes e não se reduz simplesmente a palavras; atitudes expressam a confiança perseverante na ação de Deus (braços erguidos para o alto). Moisés, tendo as mãos levantadas (intercessão e súplica), testemunha que a sua confiança está em Deus e não apenas no esforço humano (“Israel vencia”). Por outro lado, a perseverança na oração leva à comunhão com a comunidade (“Aarão e Ur, um de cada lado, sustentavam as mãos de Moisés”); portanto, o orante é sustentado, sobretudo no seu cansaço, pela comunidade. É muito comum entre nós o pedido da intercessão de outrem. Até certo ponto, também nós sentimos o cansaço de nossos braços (esforço para manter a vida de oração) e, por isso, pedimos ajuda, o que não significa sermos substituídos na oração, mas sermos ajudados a perseverar nela. A atitude mais coerente para perseverar na oração é não pedir “reze por mim!”, mas “reze comigo!!!”.
A segunda leitura (2Tm 3,14-4,2), por sua vez, nos coloca diante do desafio da fidelidade à fé transmitida, sobretudo pela Palavra de Deus. Acreditar é mais do que não duvidar de algo, mas aderir à verdade, crer em Jesus Cristo, Filho de Deus, nosso salvador. Portanto, a fé tem um conteúdo que exige assentimento da mente, isto é, há uma razão para crer, mas também adesão do coração, ou seja, tomada de decisões (coração na Bíblia é o lugar do discernimento e não apenas símbolo dos afetos).
Se as leituras apresentam respectivamente o tema da oração e da fé, o evangelho é uma verdadeira síntese: oração sem fé esvazia-se diante da primeira porta fechada; fé sem oração aprisiona-nos em sensações fugazes, logo desaparece.
De modo didático, para ensinar sobre a força da oração fundamentada na fé perseverante, Jesus apresenta paradoxalmente dois personagens que representam na sociedade do seu tempo o poder arrogante (juiz que não teme nem a Deus nem respeita homem algum) e a fragilidade humanamente desassistida (viúva). Muitas vezes Jesus utiliza imagens, comparações aparentemente incompatíveis (compaginar juiz injusto e Deus); porém, a finalidade é pedagógica, uma vez que pretende garantir a atenção dos seus interlocutores até o final do seu ensinamento, quando tudo fica mais claro.
A viúva perseverante no seu pedido: “Faze-me justiça contra o meu adversário” põe em evidência dois tipos de injustiça: explicitamente a do seu adversário, mas também a do próprio juiz que, por muito tempo, se nega atender o seu pedido. Quantas vezes, diante das “demoras” de Deus, pode-se cair na tentação de pensar que Ele não atende as orações. Contudo, as perguntas de Jesus em confronto com essa situação dirimem as dúvidas: “E Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar?” A resposta é positiva: “Deus lhes fará justiça bem depressa”. Ainda que na percepção humana do ritmo da história haja demora, a fé corrige o nosso descompasso e nos faz enxergar que a justiça de Deus não nos faz simplesmente esperar, mas a ter “a esperança que não decepciona” (Rm 5,5). Testemunha a Carta aos Hebreus (11,1) “A fé é um modo de já possuir o que se espera, um meio de conhecer as realidades que não se veem”, portanto, na verdade, a demora não está no agir de Deus para realizar a sua justiça, que é a sua vontade, mas na falta de fé que impede de reconhecer que Deus está permanentemente junto aos seus escolhidos, fazendo-lhes justiça. Alimentar a esperança e a fé em Deus que é justo e misericordioso constitui o desafio para a Igreja até a consumação dos séculos.
Jesus estabelece uma distinção muito clara entre a demora do juiz injusto em atender o pedido da viúva e a aparente demora de Deus em atender os seus escolhidos. O juiz, por não temer a Deus e não respeitar homem algum, demora porque não se sente obrigado moralmente a fazer o bem e alargar o tempo para que a mulher desista de importuná-lo. A “demora” de Deus corresponde a grandeza da sua misericórdia para proporcionar condições a fim de que todos se salvem (cf. Lc 13,6-9; 2Pd 3,9).
O que pensamos ser demora de Deus em nos atender, é o tempo suficiente para a necessária perseverança que testemunha a fidelidade (fé), condição fundamental para a salvação. Pois sem a fé não podemos agradar a Deus (Hb 11,6), isto é, amá-lo e receber dele aquilo que Ele nos oferece quando cremos no seu Filho: a vida eterna (cf. Jo 17,3).
A fé cristã não permite dúvidas se o Filho do homem virá, mas fortalecida pela oração perseverante nos faz testemunhas do seu amor no aqui e agora de nossa existência sem demoras e protelações. As demoras de Deus nos favorecem perseverança na fé, as nossas nos dispersam (vida de oração superficial, mecânica, estéril: espiritualismo vazio) e nos faz desperdiçar os seus frutos: amor, esperança, justiça, bondade, perdão…

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana