Jesus continua o seu ensinamento sobre a oração, desta vez mostrando que a oração autêntica dirigida a Deus nasce de um coração humilde, consciente de sua fragilidade, mas aberto à ação misericordiosa do Pai. O orante não busca convencer Deus que não precisa Dele, pois já é perfeito; pelo contrário, o fiel coloca-se diante de Deus na oração para confessar que é necessitado Dele, que sem Ele está perdido e não tem mais nada a fazer.
A chave de leitura do evangelho de hoje é a justificativa dada pelo próprio Mestre: “Contou esta parábola para alguns que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros”. Quem confia na sua própria justiça (grego: eisin dikaioi, ser justos) demonstra que não precisa de nada e de ninguém, já alcançou a perfeição; portanto, não necessita do perdão, nem da graça de Deus. Então, como alguém que tem uma postura presunçosa pode se dirigir a Deus, rezar, uma vez que a oração por excelência é agradecimento a Ele, de quem tudo procede? Além de render graças, o orante autêntico também manifesta confiantemente suas necessidades na esperança de ser atendido. A oração verdadeira é ação de graças pelo bem recebido ou súplica em vista de recebê-lo, jamais será prestação de contas do que se fez.
Os dois homens representam, nas suas respectivas posturas e palavras, a verdadeira oração em contraposição à oração hipócrita que a rigor não é oração. O fariseu reduz suas palavras, aparentemente tidas como oração, a um mero monólogo consigo mesmo (grego: πρὸς ἑαυτὸν προσηύχετο, rezava para si mesmo), cujo conteúdo não passa de exaltação de si mesmo e de um julgamento condenatório dos outros: “Não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros”. Ele dividiu o mundo entre o seu “eu perfeito” e o “eles pecadores”. Por conseguinte, tomou o lugar de Deus, o único perfeito, santo e justo. A sua suposta oração é um autoelogio por causa das coisas que faz superando inclusive aquilo que determinava a lei da obrigatoriedade do jejum uma vez no ano, no dia da expiação (cf. Lv 16,29-31; 23,26-32; Zc 8, 18-19), a sua prática é bem superior: “Jejuo duas vezes por semana”; enquanto a legislação impunha ao vendedor o dízimo das mercadorias (cf. Dt 12,17), o fariseu paga inclusive daquilo que ganha: “Dou o dízimo de toda a minha renda”. Curioso que todas essas práticas servem para o fariseu se engrandecer, e portanto o agradecimento não é a Deus, mas ao seu ego, ensimesmado e divinizado.
Ainda que use a expressão clássica do louvor a Deus: “Eu te agradeço” (grego: eucharisto, dar graças, de onde vem “eucharistia”), na verdade, todo o mérito ele atribui a si mesmo, pois Deus não é reconhecido em nenhum dos seus feitos. Já no AT celebra-se a ação de graças para evidenciar as maravilhas que Deus realiza (criação, libertação, salvação, Dt 14,22), nessa oração do fariseu nada disso aparece, a não ser o que ele mesmo faz para enaltecer a sua onipotência.
Por outro lado, temos o cobrador de impostos, o pecador público, que aos olhos dos fariseus não tinha nenhuma possibilidade de salvação, era perdido, excluído do Reino dos céus. Enquanto o fariseu se põe de pé para rezar, o publicano se mantém à distância reconhecendo a sua indignidade de aproximar-se do Senhor, assemelhando-se a Simão Pedro, por ocasião da pesca milagrosa, que exclamou: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador” (Lc 5,18). Se os olhos do fariseu narcisista viam apenas suas próprias perfeições e o pecado dos outros, arvorando-se o direito de juiz, o publicano nem ousa levantar os olhos, portanto, tem o seu olhar voltado para sua realidade, reconhece não ter nada que o torne justo diante de Deus, cabendo-lhe apenas fazer sua uma das mais realistas orações do povo de Deus, testemunhada nas Escrituras: “Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador” (cf Sl 51,3; 56,2; 57,2). Diferente do fariseu que listou suas boas obras para se sentir justificado diante de Deus, o publicano não perde tempo em fazer o inventário dos seus pecados, talvez para evitar correr o risco de achar motivos para justificar-se em vista de alguns pecados, mas simplesmente confessa a verdade fundamental, isto é, sendo pecador é necessitado da misericórdia de Deus. Ao longo da história da salvação, dentre as inúmeras ações de Deus em favor do seu povo, aquela que mais se destaca é a sua misericórdia, a manifestação do seu amor que perdoa e acolhe, restaura e salva seu povo dos seus pecados.
Se o fariseu instrumentaliza sua pretensa prática de piedade (oração narcisista) para se engrandecer, colocar-se acima de todos e igualar-se ao próprio Deus, na sua integridade e justiça, pois não precisa de nada, pois é modelo irrepreensível, o publicano não teme se humilhar reconhecendo-se na sua condição de pecador, mas diante do Deus justo e misericordioso. O fariseu quer garantir a sua integridade religiosa apoiando-se no mero cumprimento de obrigações segundo os seus critérios, querendo ser mais justo do que aquilo que as leis objetivas prescreviam (um dia de jejum por ano, ele fazia duas vezes por semana).
O seu narcisismo religioso impedia-lhe de reconhecer aquilo que afirma São Paulo: “O homem não é justificado pela prática da Lei, mas pela fé…” (Gl 2,16). A justificação não é fruto da ação do homem, mas a salvação é realizada por Deus em seu Filho.
Destarte, a oração verdadeira manifesta a fé e a confiança em Deus e não pode ser uma apresentação vaidosa do bem que fazemos, mas deve ser antes de tudo ação de graças que testemunha o bem que Deus faz por nós. Não louvamos a Deus porque fazemos algo, mas porque é Ele o sujeito de todo o bem que nos é oferecido, de modo particular a sua misericórdia e o seu perdão.
Não faz a experiência da misericórdia quem não se reconhece necessitado dela. Sem um ato penitencial profundo, a nossa ação de graças (Eucaristia) pode ser superficial e sem frutos, pois nela celebramos o mistério da misericórdia do Pai manifestado na morte e ressurreição do seu Filho, aquele que tira o pecado do mundo.

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana