Epifania do Senhor: Mt 2,1-12 – A estrela que não engana

A liturgia de hoje nos coloca diante de uma cena que, embora tão conhecida, continua a nos provocar profundamente: a visita dos Magos ao Menino Jesus e a reação de Herodes diante da mesma notícia. Dois caminhos, duas atitudes, duas respostas diante do dom da salvação.
Eis que alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém”: Os Magos representam todos aqueles que, mesmo vindo de longe — longe na fé, longe na prática religiosa, longe na compreensão plena — mantêm o coração aberto. O Evangelho diz que os Magos partiram do Oriente — e essa palavra, no original grego, anatolé, significa “o lugar onde o sol nasce”. Não é apenas um ponto geográfico. É um símbolo espiritual. O Oriente é o lugar do começo, do despertar, da primeira luz que rompe a noite. Assim também acontece conosco: a vida espiritual começa quando uma pequena luz desperta dentro de nós. Não é ainda o sol do meio-dia, mas é suficiente para nos tirar da inércia e nos colocar em movimento. Os Magos seguem uma estrela. E a estrela não tem luz própria. Ela reflete a luz de algo maior. Isso é profundamente significativo. Porque nós também começamos nossa busca movidos por reflexos: um desejo de sentido, uma inquietação, uma pergunta que não quer calar. São luzes pequenas, mas verdadeiras. E Deus se serve delas para nos atrair.
Os Magos caminham na noite, mas não se deixam dominar pela escuridão. A noite existe. A incerteza existe. A dúvida existe. A falta de respostas claras existe. Mas quem se deixa guiar pela luz — mesmo que seja uma luz frágil — não é engolido pelas trevas. A fé não elimina a noite; ela nos dá coragem para atravessá-la. O desaparecimento momentâneo da estrela poderia ter causado desespero nos Magos, e por conseguinte a desculpa fácil para retroceder, desistir. Mas eram convictos de que em algum lugar o sol continuava a brilhar. Portanto, não desistem e, tomando um caminho aparentemente errado, vão bater à porta do tirano Herodes, mas é lá que uma estrela-guia mais luminosa do que a primeira apontará o caminho certo; é a Palavra de Deus, qual bússola de alta precisão, que orienta a retomar a estrada, pois ela “é luz para os passos, lâmpada para o caminho” (Sl 119,105).
Eles não tinham todas as respostas, mas tinham algo essencial, isto é, a disposição de buscar: “Onde está o rei dos Judeus? Vimos sua estrela”. A luz da estrela não os obrigou, apenas os convidou. E eles, humildemente, se deixaram conduzir. A fé deles é uma fé em movimento, uma fé que não teme sair da zona de conforto, uma fé que se põe a caminho.
Ao saber disso, o rei Herodes ficou perturbado”: Herodes, por outro lado, simboliza a tentação sempre atual de querer ser o próprio centro, o próprio salvador. A luz, para ele, não é boa notícia, mas ameaça. A luz ilumina, mas também revela. E cada pessoa decide se acolhe ou rejeita essa revelação; ela expõe, desinstala, pede mudança. E quem não quer mudar, combate aquilo que o chama à conversão. O Evangelho não é uma ideia abstrata; ele toca a vida concreta, mexe com prioridades, desafia egoísmos, chama à solidariedade, à justiça, à verdade.
Ao verem a estrela de novo, os magos sentiram uma grande alegria”:  A estrela conduz os Magos até o sol. Os sinais conduzem ao encontro. Os reflexos conduzem à fonte. A imagem dos Magos guiados pela estrela e pela Palavra de Deus mostra que a razão e a fé não se opõem, mas se completam. A estrela conduz exteriormente; a fé ilumina interiormente. É assim que eles retomam a estrada “plenos de grande alegria”: quem busca a verdade com sinceridade sempre encontra sinais que apontam para ela.
A Epifania nos lembra que Deus se deixa encontrar por quem O busca com sinceridade. Não importa se a luz que temos é pequena. O importante é não ficar parado; é caminhar, é deixar-se guiar. A festa da Epifania nos lembra que Deus continua a acender estrelas em nosso caminho: pessoas, acontecimentos, oportunidades de recomeço, chamados à justiça, à solidariedade, ao perdão. Mas só encontra o Salvador quem se dispõe a caminhar. Só reconhece a luz quem aceita deixar para trás as trevas que já não servem mais.
Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, a sua mãe”: o detalhe da mãe com o recém-nascido — “seu primeiro trono” — é teologicamente riquíssimo. A referência a 1Rs 2,19 reforça que, na tradição bíblica, a presença da mãe ao lado do rei é sinal de dignidade e autoridade. Aqui, Maria aparece como Rainha-Mãe, não por poder político, mas por sua íntima união com o Filho. Quando os Magos se prostram, eles não apenas reconhecem um rei terreno, mas adoram — um gesto reservado ao divino. A longa viagem culmina não em um palácio, mas em um estábulo. E é justamente ali que eles se tornam profetas nas suas ofertas generosas: o ouro ao Rei, o incenso a Deus e a mirra ao homem que sofrerá e morrerá. Os Magos oferecem presentes preciosos, mas recebem dons infinitamente maiores: do Rei, a graça de serem incorporados ao povo real, mesmo sendo estrangeiros; do Deus, a salvação que rompe fronteiras culturais e religiosas; e do homem, a certeza de que a humanidade inteira foi assumida por Deus — ninguém está excluído da plenitude da vida.
Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho”: Depois do encontro com a luz, os Magos tomaram outro caminho, agora não mais como buscadores da luz, mas como iluminados por ela, pois de sábios se tornaram profetas do rei-pastor, que os fez seus missionários, testemunhas da universalidade da salvação. Os Magos chegaram a Belém como buscadores. Eram estudiosos, observadores do céu, homens que interpretavam sinais. Mas, diante do Menino, algo neles mudou. Eles não encontraram apenas uma criança; encontraram o sentido da própria busca. O Evangelho não diz apenas que eles evitaram Herodes. Diz que tomaram outro caminho. E isso é mais do que geografia. É teologia.
Quando Deus entra na vida de alguém, Ele não apenas ilumina o caminho antigo — Ele abre caminhos novos. A conversão não é só deixar de fazer o mal, é permitir que Deus redesenhe a rota. O encontro com o Menino não apenas os transformou, mas os enviou. Eles chegaram como sábios, mas voltaram como testemunhas. Chegaram como estudiosos das estrelas, mas voltaram como profetas do Rei-Pastor. Depois de encontrar Cristo, por qual caminho estamos voltando? A liturgia não é um ritual vazio; é um encontro com a Luz. E quem encontra a Luz não pode voltar para casa do mesmo jeito.
 
Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana