O legado de uma Madre

Vestida de hábito branco, como no dia de sua consagração a Deus. Essa foi a última imagem que os fiéis guardaram de Madre Maria Carmelina Feitosa, a Madre Feitosa dessa porção do povo de Deus e um dos baluartes da educação religiosa no Sul do Ceará.

 

Vitimada por um Acidente Vascular Cerebral (AVC) Isquêmico, ela partia para a morada celeste no dia 27 de dezembro de 2019, dois dias após o Natal. A urna foi transladada em cortejo pelo carro do Corpo de Bombeiros ao som do hino municipal de Crato, executado pela Banda de Música. O funeral durou três dias com celebração da Eucaristia a cada duas horas, intercalada com a recitação do Terço Mariano. Padres, seminaristas, religiosas, agentes de pastorais, autoridades civis, familiares e pessoas que tiveram a graça da convivência compareceram para o último adeus.

Dentre as muitas homenagens, duas, particularmente, tocaram o coração de quem às assistia: as co-Irmãs envoltas ao corpo entoando “Amor Divino”, hino composto por Dom Quintino Rodrigues, primeiro bispo de Crato e fundador da Congregação, cantado nas ocasiões mais singulares e solenes; e Dom Edimilson Neves, bispo de Tianguá-CE, a quem Madre Feitosa tinha como “filho espiritual”, que retirou delicadamente o solidéu e o colocou junto ao corpo dela, cobrindo-o com o véu da urna.

Todas essas memórias foram depositadas no altar do Senhor na missa presidida pelo bispo diocesano Dom Gilberto Pastana, nesta segunda-feira, dia 28 de dezembro, na Igreja Catedral de Nossa Senhora da Penha, em Crato, concelebrada por Dom Edimilson, que proferiu a homilia. Também estiveram presentes o reitor do Seminário Propedêutico de Tianguá, Padre Wesley Barros; o cura da Catedral de Crato, Padre José Vicente Pinto, e o vigário paroquial, Padre Francisco José; o reitor do Propedêutico de Crato, Padre Cícero Luciano Lima, o diretor da Fundação Padre Ibiapina, Adelino Dantas e o Padre Cesár Retrão, pároco de Nova Olinda-CE, assistidos pelo diácono permanente Antônio Dias de Menezes, ordenado no último sábado, dia 26.

Nessa Eucaristia, marcados pela saudade, os fiéis, embora em número reduzido por causa da pandemia, agradeceram a Deus pela vida e pela vocação de Madre Feitosa, cujo corpo está sepultado na Capela da Casa de Caridade, criada pelo Padre Ibiapina no século XIX, onde ela vivia e da qual era coordenadora, localizada nas imediações da Rádio Educadora do Cariri, na mesma cidade. Também fizeram memória aos 91 anos de falecimento de Dom Quintino.

“Nós queremos recordar a vida da Madre, os seus ensinamentos e o seu testemunho deixados para toda uma geração, sobretudo às crianças, aos jovens e aos adolescentes que tiveram contato com ela. É importante nós mantermos vivos esses exemplos. Hoje, primeiro aniversário da sua morte, nós queremos agradecer a Deus pela sua vida testemunhal e serviçal”, disse Dom Gilberto.

Dentre esses tantos testemunhos, está o de Dom Edimilson Neves. “No início da minha caminhada sacerdotal, Madre Feitosa foi uma pessoa muito importante pela sua experiência de vida religiosa e de entrega. Eu aprendi a admirá-la pela forma como viveu a sua consagração a Cristo e à Igreja. Exemplo de fidelidade e de uma vida totalmente doada. Quando fui eleito bispo, tive a graça de conversar com ela. E uma das coisas que ela me dizia era: não se pode dizer não a Deus. Então, ter colocado o solidéu nas mãos dela foi um gesto de gratidão e, ao mesmo tempo, de dizer: cuida de mim”, confidenciou.

Legado

Aos 98 anos, quase centenária, Madre Feitosa ainda viu o colégio que edificara, nos idos de 1969, o Pequeno Príncipe, chegar à data magna dos cinquenta anos. E cumpria o ritual de ir ao colégio toda manhã para coordená-lo e passear por entre as crianças e os adolescentes que lhe estendiam a mão para receber a bênção.

“Uma leitora incansável, que acreditava na Educação como único caminho para construção de uma sociedade mais justa e humanitária; nos deixa um legado precioso sob sólidos valores e princípios”, disse a diretora pedagógica, Raquel Oliveira. Dentre as muitas lembranças, guarda no coração a suavidade no olhar da Madre, o sorriso meigo, a fortaleza da fé, a simplicidade da elegância e o desapego, além da sua capacidade de escuta. “Era o exemplo explícito do amor de Deus por todos nós”, destacou.

Nascida em Tauá, em 13 de setembro de 1921, Madre Feitosa chegou ao Crato aos 14 anos. Cursou o então ensino secundário e o curso normal no Colégio Santa Teresa de Jesus e, dois anos depois, optou pela vida religiosa, ingressando na congregação de mesmo nome. Nela, iniciou também a prática do magistério. Formada em Pedagogia, na antiga Faculdade de Filosofia do Crato, foi diretora do Colégio Santa Teresa, secretária geral da congregação e eleita vice-superiora geral em três mandatos consecutivos.

Em 1969, a convite de Dom Vicente Matos, terceiro bispo diocesano, Madre Feitosa fundou o Colégio Pequeno Príncipe. Os anos dedicados à Educação renderam-lhe inúmeras honrarias, dentre elas a medalha “Reitor Antônio Martins Filho”, em 2007, e o título “Doutor Honoris Causa”, em 2014. Ambos concedidos pela Universidade Regional do Cariri – Urca.

Alguns traços recaem sobre essa personalidade – considerou a coordenadora geral da congregação, Madre Vera Lúcia Alves de Andrade: “Mulher feliz, porque soube ser amada por Deus desde o ventre materno. Esse amor, tornou-se abundante em sua vida cristã, consagrada a essa congregação, pelos vínculos sagrados dos conselhos evangélicos, de pobreza, de obediência e de castidade. Foi uma irmã que buscou a santidade em atos e palavras e será sempre um testemunho de fé, oração, sabedoria e amor incondicional a Jesus Cristo, o seu eterno amado”.

A professora Leninha Linard conviveu com Madre Feitosa nos corredores do Colégio Pequeno Príncipe durante dez anos e disse que é impossível falar dela sem mencionar a caridade e o amor, virtudes que pautaram a sua vida de religiosa e educadora. “Tantas coisas lindas presenciei e experimentei… Tocava o coração das pessoas, iluminava almas, abria caminhos, ouvia. Gratidão e saudade, sentimentos que invadem o peito e transbordam em forma de bondade”.

Por Jornalista Patrícia Mirelly/ Assessoria de Comunicação