Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Estamos nos aproximando da última etapa do Tempo Pascal, isto é, a preparação para a Solenidade de Pentecostes que não é encaminhar-se para uma conclusão, um ponto final, mas pelo contrário, com a vinda do Paráclito se descortinará um horizonte ainda mais amplo. A Igreja durante todo este tempo, instruída pelo seu Senhor (cf. At 1,3), renova a sua experiência de comunhão com Ele, que está vivo e presente em meio aos seus aos quais concede o dom do Espírito Santo, e os envia em missão.
Esses dois últimos domingos (V e VI) que antecedem a preparação imediata para Pentecostes têm por finalidade reafirmar o conteúdo essencial da missão, isto é, fazer com que o amor de Deus, revelado em Jesus morto e ressuscitado, alcance toda a terra, através do testemunho dos seus discípulos.
“Depois que (Judas) saiu (do cenáculo)”: Importante recordar que a cena do evangelho de hoje está intimamente relacionada ao episódio anterior quando Judas, ao receber o pão, saiu imediatamente e o evangelista declara: “Era noite” (13,30). O sair de Judas evidenciado por duas vezes nesse contexto da última ceia (13,30.31) não indica apenas um ausentar-se de um espaço físico, mas indica uma decisão, cujas raízes estão na recusa ao amor. Mesmo tendo recebido o pão, isto é, ter sido admitido ao banquete, à proximidade e intimidade com o Mestre, ele decidiu renunciar a tudo isso. Dois mil anos já se passaram e ainda não se conseguiu explicar tal decisão. Porém, o fato nos faz refletir sobre essa tentação que pode ser também nossa: mesmo sendo amados, isto é, adotados como filhos no batismo, e alimentados pela Eucaristia, recusarmos o amor.
Afastar-se da luz e mergulhar nas trevas ou afastar-se das trevas e aproximar-se da luz, eis as possibilidades que se apresentam diante de nossa capacidade de escolhas. No início do evangelho de São João, Nicodemos no meio das trevas vem ao encontro da Luz (veio procurar Jesus de noite: 3,2); agora, dramaticamente, um discípulo da Luz decide entregar-se à escuridão. Aqui temos a verdadeira situação de pecado: “preferir as trevas à luz” (3,19-20).
“Agora foi glorificado o Filho do Homem”, apesar de toda a recusa, o amor não desiste de amar, senão deixaria de ser amor, seria apenas um impulso de querer bem ao outro e não o bem do outro. O tema da glória (glorificação) de Jesus perpassa todo o IV Evangelho; por outro lado, já no Antigo Testamento se fala da glória de Deus (hebraico: Kabod) como manifestação da sua presença que comunica ao povo, sobretudo, o seu amor (protege, guia, conduz etc.). Portanto, o conceito fundamental de glória (AT-NT) diz respeito à manifestação concreta do amor de Deus.
Por conseguinte, glorificá-Lo não é dirigir-lhe hinos e cânticos de louvor, ainda que o devamos fazer como sinal de gratidão, mas glorificar a Deus é ser testemunhas do seu amor que se manifesta concretamente. O Verbo Eterno manifestou a sua glória na encarnação: “O Verbo se fez carne… e nós vimos a sua glória” (1,14); Jesus nos sinais que realizou: “Manifestou a sua glória e os seus discípulos creram Nele” (2,11), e, de modo particular, na sua cruz (cf. 7,39). A glória de Deus se manifesta nas boas obras que por amor a Ele realizamos em favor dos irmãos (cf. Mt 5,16), assim como fez o próprio Jesus.
“Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco”: a única vez no IV evangelho que encontramos o diminutivo de filho (grego: teknon, filho; teknia, filhinhos. Na 1Jo aparece 7 vezes). Um diminutivo que expressa mais do que uma afetividade sentimental; é a proximidade consolidada no compromisso de quem ama verdadeiramente. A brevidade da permanência de Jesus entre os discípulos se refere à ausência iminente por causa de sua morte na cruz, momento supremo da realização da sua hora-glorificação.
“Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”. O mandamento do amor ao próximo era já conhecido pela Tradição Veterotestamentária (Lv 19,18). Porém, Jesus diz que é um mandamento novo o que Ele dá. Em que consiste essa novidade? Não se pode pensar que seja o amor ao próximo em si, pois como vimos, esse mandamento já era um imperativo no Antigo Testamento, com suas formas concretas especificadas nos sete últimos mandamentos do Decálogo (amar os pais, não matar, não roubar etc.). Se no Antigo Testamento era um imperativo a ser obedecido, o mandamento novo de Jesus é um indicativo, isto é, já realizado, pois Ele é o primeiro sujeito a vivê-lo; Ele não dá ordens a serem cumpridas, mas exemplos a serem seguidos.
“Como eu vos amei”, aqui está a grande novidade. É muito significativo e coerente que Jesus tenha dito essas palavras às vésperas de sua morte, pois não são ensinamentos teóricos, advertências sábias e bons conselhos, arriscando-se a críticas do tipo: “Fazei o que eles dizem, mas não imiteis as suas ações, pois dizem, mas não fazem” (Mt 23,3). A essas alturas, depois de três anos de convivência, presenciando tantas atitudes de Jesus que manifestaram o seu amor (cf. Jo 13,1: “amou-os até o fim”), os discípulos não podem duvidar da veracidade e coerência das últimas palavras-testamento do Mestre.
“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros”, com estas palavras conclusivas, Jesus tira toda a ambiguidade em relação aos seus ensinamentos que não devem ser simplesmente objeto de admiração, simpatia ou assentimento teórico, mas adesão.
A diferença fundamental entre um discípulo de Jesus e um simpatizante dos seus ensinamentos é justamente a decisão de ficar com Ele, e só há uma maneira de realizar isso: “Permanecei no meu amor” (Jo 15,9), para aprender a amar a todos.

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana