O Mistério Pascal de Cristo celebrado ao longo de todo o Ano Litúrgico, na riqueza didático-pedagógica de seus vários tempos (Advento-Natal, Quaresma-Páscoa, Tempo Comum), não nos encerra num ciclo fechado de um eterno retorno e repetição, mas nos faz progredir sempre mais rumo à definitiva realização dos efeitos salvíficos da morte e ressurreição de Jesus, a redenção. A rigor, na celebração litúrgica não seria preciso afirmar: “e começamos mais uma vez o ano litúrgico” (ainda que tenhamos que usar essa linguagem, evidenciando o seu limite), pois não se trata de uma repetição de celebrações já conhecidas ou de comemorações de aniversários. O Advento não nos prepara para celebrar o aniversário de Jesus, nem a Quaresma nos coloca num clima de velório para concluir com a dramatização de sepultamento.
O Concílio Vaticano II nos recorda que as festas e os tempos litúrgicos não são “aniversários” dos fatos da vida histórica de Jesus, mas “presença in mysterio”, isto é, na ação ritual e em todos os sinais litúrgicos. Os fatos e palavras realizados por Cristo em sua existência terrena não se reproduzem mais; no entanto, são ações do Verbo encarnado, isto é, acontecimentos salvíficos (kairoí) atuais e eficazes para aqueles que os celebram (cf. SC 102).
Portanto, neste segundo Domingo do Advento damos continuidade à nossa caminhada de aprofundamento do significado da vinda do Filho de Deus a este mundo, ainda necessitado de conversão cujo apelo veemente ouvimos hoje do grande profeta João Batista, uma figura chave do Advento histórico e que de suma importância no Advento litúrgico: “Convertei-vos… Preparai os caminhos do Senhor… Filhotes de víboras, produzi frutos que provem a vossa conversão”, e o seu estilo austero de vida: “vestido de roupa de pelos de camelo e um cinturão de couro…Comia gafanhotos e mel do campo”.
O tema da conversão não é exclusivo de um tempo litúrgico, como se poderia pensar a Quaresma, mas toda a vida cristã deve ser marcada pelo compromisso de mudança. João Batista indica o ponto de partida desse caminho de conversão: “Preparai o caminho do Senhor”, palavras inspiradas na profecia de Isaías que anunciava a volta do povo exilado na Babilônia (587-538 a.C.); preparar os caminhos e endireitar as veredas significa possibilitar a chegada de Deus que vem para libertar o seu povo. Evidentemente não se fala apenas de deslocamento no espaço geográfico, mas de mudança de perspectiva de vida. Sem a obediência à Palavra de Deus, torna-se impossível deixar-se guiar pelas veredas justas e santas do Senhor. A proximidade do Reino dos Céus anunciada por João Batista inaugura um novo tempo caracterizado por novas relações: com Deus, consigo mesmo e com os semelhantes.
A conversão se dá como processo; longe de ser fruto de passe mágico ou de esforço de adaptação superficial de atos isolados, a conversão autêntica (grego: metanoia, mudança de conteúdos internos, de mentalidade) se expressa nas atitudes do cotidiano e não precisa de auditório para garanti-la. Por conseguinte, reconhecer os pecados e confessá-los marca o início do percurso. O batismo realizado por João pertence à etapa final do advento histórico, enquanto o batismo cristão representa a disposição de seguir Aquele cuja chegada foi anunciada por João, com humildade e coerência: “Eu não sou digno de carregar suas sandálias”.
As palavras duras do Batista são coerentes com a sua vida austera; por outro lado, são palavras carregadas de misericórdia, pois só a verdade, como ensina Jesus, é capaz de libertar. Todas as suas afirmações visam uma autêntica mudança de vida e, portanto, não podem ser ouvidas como meras acusações agressivas àqueles que o procuravam. É necessário adotar uma postura diferente para perceber e reconhecer o Reino dos Céus. O batismo, rito do mergulho, simboliza morte e renovação, levando à confissão dos pecados para uma vida frutífera. A acolhida do Reino é o motivo central da mudança de vida. O Batismo de João era provisório, um gesto simbólico de arrependimento, preparando o coração para algo maior. Enquanto o definitivo será realizado por Cristo, que inaugura o Reino com o dom do Espírito Santo, que não apenas purifica, mas transforma radicalmente a vida.
Fariseus e saduceus, muitos deles, buscavam o rito externo, mas sem verdadeira conversão interior. O contraste se evidenciava quando alguns se limitavam ao sinal externo, enquanto o convite era para acolher a novidade do Reino em profundidade. Essa tensão entre sinal externo e conversão interior continua atual: muitas vezes podemos nos apegar a ritos ou tradições sem deixar que eles nos conduzam à transformação verdadeira que o Espírito realiza.
A expressão literal “Filhotes de víboras” (grego: gennemata echidnon) é usada tanto por João Batista quanto por Jesus para denunciar a hipocrisia religiosa. A víbora, animal venenoso, simboliza o perigo oculto, o veneno que corrói por dentro — aqui, o veneno da falsidade espiritual. A hipocrisia religiosa significa não reconhecer a própria necessidade de conversão, mascarando o coração endurecido com práticas externas de piedade. Mateus faz um jogo de palavras pedras e filhos (sonoro em hebraico: banim / ’abanim) para reforçar a ideia de que Deus não depende da linhagem ou da aparência religiosa. Ele pode suscitar filhos de Abraão até das pedras, ou seja, a verdadeira filiação vem da fé e da abertura ao Espírito, não da tradição vazia.
Este tempo do Advento deve nos ajudar a fazermos um exame de consciência e percebermos nosso processo de conversão para não nos acomodarmos a uma piedade estéril, mas buscarmos uma filiação autêntica: não basta parecer justo, é preciso deixar-se transformar pela graça. A denúncia da hipocrisia não é apenas contra os fariseus e saduceus de então, mas contra qualquer forma de religiosidade que se refugia em aparências e não se abre ao fogo purificador do Espírito.
O Concílio Vaticano II nos recorda que as festas e os tempos litúrgicos não são “aniversários” dos fatos da vida histórica de Jesus, mas “presença in mysterio”, isto é, na ação ritual e em todos os sinais litúrgicos. Os fatos e palavras realizados por Cristo em sua existência terrena não se reproduzem mais; no entanto, são ações do Verbo encarnado, isto é, acontecimentos salvíficos (kairoí) atuais e eficazes para aqueles que os celebram (cf. SC 102).
Portanto, neste segundo Domingo do Advento damos continuidade à nossa caminhada de aprofundamento do significado da vinda do Filho de Deus a este mundo, ainda necessitado de conversão cujo apelo veemente ouvimos hoje do grande profeta João Batista, uma figura chave do Advento histórico e que de suma importância no Advento litúrgico: “Convertei-vos… Preparai os caminhos do Senhor… Filhotes de víboras, produzi frutos que provem a vossa conversão”, e o seu estilo austero de vida: “vestido de roupa de pelos de camelo e um cinturão de couro…Comia gafanhotos e mel do campo”.
O tema da conversão não é exclusivo de um tempo litúrgico, como se poderia pensar a Quaresma, mas toda a vida cristã deve ser marcada pelo compromisso de mudança. João Batista indica o ponto de partida desse caminho de conversão: “Preparai o caminho do Senhor”, palavras inspiradas na profecia de Isaías que anunciava a volta do povo exilado na Babilônia (587-538 a.C.); preparar os caminhos e endireitar as veredas significa possibilitar a chegada de Deus que vem para libertar o seu povo. Evidentemente não se fala apenas de deslocamento no espaço geográfico, mas de mudança de perspectiva de vida. Sem a obediência à Palavra de Deus, torna-se impossível deixar-se guiar pelas veredas justas e santas do Senhor. A proximidade do Reino dos Céus anunciada por João Batista inaugura um novo tempo caracterizado por novas relações: com Deus, consigo mesmo e com os semelhantes.
A conversão se dá como processo; longe de ser fruto de passe mágico ou de esforço de adaptação superficial de atos isolados, a conversão autêntica (grego: metanoia, mudança de conteúdos internos, de mentalidade) se expressa nas atitudes do cotidiano e não precisa de auditório para garanti-la. Por conseguinte, reconhecer os pecados e confessá-los marca o início do percurso. O batismo realizado por João pertence à etapa final do advento histórico, enquanto o batismo cristão representa a disposição de seguir Aquele cuja chegada foi anunciada por João, com humildade e coerência: “Eu não sou digno de carregar suas sandálias”.
As palavras duras do Batista são coerentes com a sua vida austera; por outro lado, são palavras carregadas de misericórdia, pois só a verdade, como ensina Jesus, é capaz de libertar. Todas as suas afirmações visam uma autêntica mudança de vida e, portanto, não podem ser ouvidas como meras acusações agressivas àqueles que o procuravam. É necessário adotar uma postura diferente para perceber e reconhecer o Reino dos Céus. O batismo, rito do mergulho, simboliza morte e renovação, levando à confissão dos pecados para uma vida frutífera. A acolhida do Reino é o motivo central da mudança de vida. O Batismo de João era provisório, um gesto simbólico de arrependimento, preparando o coração para algo maior. Enquanto o definitivo será realizado por Cristo, que inaugura o Reino com o dom do Espírito Santo, que não apenas purifica, mas transforma radicalmente a vida.
Fariseus e saduceus, muitos deles, buscavam o rito externo, mas sem verdadeira conversão interior. O contraste se evidenciava quando alguns se limitavam ao sinal externo, enquanto o convite era para acolher a novidade do Reino em profundidade. Essa tensão entre sinal externo e conversão interior continua atual: muitas vezes podemos nos apegar a ritos ou tradições sem deixar que eles nos conduzam à transformação verdadeira que o Espírito realiza.
A expressão literal “Filhotes de víboras” (grego: gennemata echidnon) é usada tanto por João Batista quanto por Jesus para denunciar a hipocrisia religiosa. A víbora, animal venenoso, simboliza o perigo oculto, o veneno que corrói por dentro — aqui, o veneno da falsidade espiritual. A hipocrisia religiosa significa não reconhecer a própria necessidade de conversão, mascarando o coração endurecido com práticas externas de piedade. Mateus faz um jogo de palavras pedras e filhos (sonoro em hebraico: banim / ’abanim) para reforçar a ideia de que Deus não depende da linhagem ou da aparência religiosa. Ele pode suscitar filhos de Abraão até das pedras, ou seja, a verdadeira filiação vem da fé e da abertura ao Espírito, não da tradição vazia.
Este tempo do Advento deve nos ajudar a fazermos um exame de consciência e percebermos nosso processo de conversão para não nos acomodarmos a uma piedade estéril, mas buscarmos uma filiação autêntica: não basta parecer justo, é preciso deixar-se transformar pela graça. A denúncia da hipocrisia não é apenas contra os fariseus e saduceus de então, mas contra qualquer forma de religiosidade que se refugia em aparências e não se abre ao fogo purificador do Espírito.

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana









